Considerado, outrora, um importante aliado do Kremlin e um valioso instrumento da política externa russa, o líder do Grupo Wagner promoveu o momento de maior instabilidade da História da Federação Russa, em 23 anos de liderança de Vladimir Putin. Com a decisão de encabeçar o que denominou por “marcha pela Justiça”, tendo como destino a capital russa, contava obter a substituição dos principais responsáveis da tutela do setor da Defesa, o ministro Shoigu e o general Gerasimov, alvos preferenciais das suas críticas recorrentes e contundentes, bem como o reconhecimento da relevância da sua força militar na defesa da pátria russa. Esta iniciativa inesperada e arrojada visava pressionar a liderança russa a promover alterações no centro de decisão na esfera militar, mas com consequências necessariamente políticas. A atuação do líder do Grupo Wagner no teatro das operações na Ucrânia, atuando nas batalhas de maior beligerância e intensidade e tendo sido responsável pela tomada da relevante fortaleza ucraniana de Bakhmut, acabaria por dotá-lo de enorme projeção mediática e por elevá-lo a herói nacional, exacerbando motivações pessoais de índole política. Em certa medida, Prigozhin nunca conseguiu ver ser-lhe reconhecida a capacidade de pertencer à elite política russa, ficando sempre à margem do processo de decisão e de formulação, existindo apenas como instrumento e não como decisor.
De forma gradual, Prigozhin foi ganhando espaço, tornando-se uma figura mediática, respeitada e em certa medida louvada pelos cidadãos russos. Após anos a atuar na sombra, sentiu fôlego e oportunidade para encabeçar uma assertividade de narrativa crítica, face aos desaires militares ocorridos na Ucrânia e perante a incapacidade russa em obter a almejada vitória triunfante, exigida por ultranacionalistas e pelo denominado partido da guerra. O que num primeiro momento foi percecionado como uma contenda intramilitar rapidamente assumiu uma dimensão gravosa na esfera política da Rússia, desferindo um rude golpe no seu âmago. Além da queda do mito da enorme capacidade militar do Exército russo, perante a resistência ucraniana apoiada pelo armamento ocidental defensivo, o líder do Grupo Wagner fazia tombar o mito da liderança forte de Vladimir Putin. O que foi considerado pelas lideranças ocidentais como uma “questão doméstica russa” e pela liderança chinesa como “o incidente Wagner” logo exacerbaria e comprovaria a existência de tensões e de fissuras no interior do Kremlin. O “erro estratégico” de invadir a Ucrânia, conforme referido por Stoltenberg, aliado à rebelião militar liderada por Prigozhin, demonstrou que estavam em causa a estabilidade do regime russo e a preservação desta liderança no Kremlin. O carácter oneroso do enorme esforço de guerra exigido à Rússia e a incapacidade de impor, de forma célere, a sua vontade à Ucrânia por