O novo ano que agora começou inicia-se com uma conjuntura atípica, antecipando consequências diretas no desempenho do setor imobiliário.
Com efeito, a uma carga fiscal já muito considerável (para não dizer incomportável…), juntam-se o aumento exponencial da inflação, das taxas de juro e do custo das matérias-primas. 2023 vai ser um ano especialmente penoso para as famílias e para as empresas; em suma, para os níveis de consumo e de investimento em geral.
Não sendo um exercício fácil, tentemos, agora, perspetivar o copo como estando meio cheio: as dificuldades são consensuais e bem sentidas, mas não serão também uma fonte de oportunidades? Sem dúvida: a necessidade aguça o engenho e será para as situações mais complexas que surgirão as soluções mais inovadoras. Ora, o engenho jurídico, designadamente nos ramos do Direito do Urbanismo e do Imobiliário, não vai, seguramente, fugir à regra.
Assim, assumindo como pressupostos a posição geográfica privilegiada que Portugal ocupa em termos territoriais, com as suas dimensões meãs (menos, aqui, é mais), duas fronteiras marítimas, centros urbanos atrativos e em expansão, um espaço rural apetecível e ávido de desenvolvimento, o desafio não é saber se vamos evoluir em 2023 apesar da conjuntura, mas sim, como vamos evoluir.
Nesta sede, o papel do Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território deverá ser / quer-se que seja decisivo. Atualmente, o quadro legal e regulamentar é abundante mas não é uniforme. A legislação urbanística e ambiental proliferam, mas de forma desagregada e, por vezes, incompatível. Os procedimentos arrastam-se, os prazos vinculativos são tidos como meramente indicativos e cada investimento obriga a consensualizar não com um interlocutor, representante do interesse público, mas com uma hidra, policéfala na exata medida da multiplicidade de interesses públicos que representa.
O planeamento territorial existe, mas, dir-se-ia, em versão de trabalho. Os instrumentos de gestão territorial devem espelhar uma concertação prévia de objetivos dentro da própria Administração (central, regional, local), que permita que os mesmos, uma vez publicados, entrem em vigor e sejam executados de forma imediata: sem margem para dúvidas, com um risco balizado. Não se trata de deixar construir massivamente; pelo contrário. O caráter permissivo dos instrumentos de legislação territorial deve ser tão claro como as proibições que os mesmos encerrem. E o seu fundamento. Porque os intervenientes têm de conhecer os exatos contornos das permissões e dos limites da sua atividade para poderem tomar a sua decisão de investimento de forma informada. Para poderem arriscar na exata medida do risco que se propõem assumir, para se atreverem a procurar soluções inovadoras.
As opções políticas e normativas têm de preceder a entrada em vigor das normas: pode ou não construir-se num dado local; se sim, o quê e quanto; quais as compensações de interesse público devidas; que medidas de minimização de impacte ambiental devem ser tomadas; etc.. Não se trata de regular o mínimo detalhe, mas, pelo menos no que concerne à efetiva possibilidade edificatória, o legislador tem de saber o que quer. Por outro lado, os promotores têm de saber com o que contam. Depois, dentro dos limites da lei, deve, naturalmente, haver concertação entre público e privado, mas a concertação no seio da própria Administração tem de ser anterior à entrada em vigor dos instrumentos de gestão territorial. Quanto maior for a clareza das normas, mais céleres serão as decisões e mais linear a eventual responsabilização dos diversos intervenientes.
Quer-se mais habitação para jovens: onde, como, com que custo? Há que limitar o crescimento descontrolado do alojamento local: quais as formas alternativas de rentabilização dos imóveis que permitam incentivar os proprietários a conservar e reabilitar o edificado? Visa-se um turismo de elevada qualidade: onde vão localizar-se as infraestruturas de suporte?
Se 2023 tem tudo para se perspetivar como um ano potencialmente adverso para o crescimento do setor imobiliário, nada impede que, em vez disso, venha ser o ano em que o urbanismo e o ordenamento do território evoluem no sentido da tomada de decisões-chave prévia e efetivamente concertadas; da codificação de procedimentos e conceitos; da certeza e da minimização da álea de risco ao nível da execução dos planos.
Em 2023 não vamos revogar o passado, mas é preciso aproveitar o que de melhor o passado tem e inovar, com vista ao aproveitamento das oportunidades que (também) surgem na adversidade.