É habitual ouvir e ler que Portugal está a perder a geração mais qualificada, que existe “fuga de cérebros”, isto depois de o País ter investido na sua formação. E os outros? Os jovens que não têm qualificação, aqueles que a muito custo completaram o ensino obrigatório?
Num dos últimos fins de semana que passei no interior do País – no interior onde as aldeias estão quase desertas e há muito que não se ouve o choro de uma criança – o único habitante com cerca de 20 anos (o futuro da aldeia) confidenciou-me que nessa semana iria para a Suíça, para trabalhar nas estufas. Perguntei-lhe: porque não Lisboa, Porto ou mesmo Leiria, cidades que ficam mais perto e que iriam permitir manter-se próximo dos seus? Com os olhos fixos nos meus respondeu-me o que eu não estava preparado para ouvir de alguém que tem 20 anos: “Portugal nunca me deu nada. Não tenho de devolver nada”.
Retirada do contexto, a frase pode deixar um sabor a arrogância. Mas continuando a conversa percebi que a vida do Luís não tem sido fácil nem é comparável à dos outros jovens das cidades, aqueles que emigram depois de formados. Ali, a escola mais próxima fica a muitos quilómetros, o incentivo para estudar é nulo e a única certeza é que no futuro iria trabalhar, ou de sol a sol na terra, ou levar para casa o salário mais baixo do único grande empregador da região, a câmara municipal.
É assim na maioria das aldeias ao redor da aldeia do Luís. Um futuro onde quem ganha poucochinho é capaz de poucochinho (para usar uma expressão do atual primeiro-ministro), e que os jovens fitam com a emigração. Emigração e não migração, como fizeram muitas das gerações anteriores.
Para os futuros homens como o Luís, que nunca conheceu ensino para lá da escola secundária, o futuro também não passa por Portugal, tal como não passa para os jovens que completaram o ensino até ao final. Porquê? Porque, de facto, o país nada tem para lhes dar. Não chega rasgar o país com autoestradas, distribuir milhões ou anunciar a chegada de milhões, se não há uma visão, um horizonte estratégico, se as pessoas de dentro são esquecidas.
Particularizando ao interior, é necessário passar à prática as promessas de circunstância aquando das visitas políticas de verão, em época de incêndios. “Ordenamento do território” é coisa que por ali não se vê. Entra e sai ministro e a paisagem revela apenas as cicatrizes do fogo e do abandono, talvez por culpa do cansaço de vários recomeços ou da desistência de começar.
Quantas gerações de políticos serão necessárias para que percebem da urgência de cuidar dos pouco habitantes que o interior tem, para posteriormente conseguir atrair e fixar pessoas? Para a geração do Luís, que nasceu já neste século, as políticas já serão tardias. Quem restará no interior?
Mas, o meu foco continua nos jovens em geral, que independentemente da formação só identificam um caminho para o futuro: emigrar.
Sabemos que um país precisa de jovens para avançar. Mas, com as atuais políticas económicas e sociais, que estão a conduzir ao fim da classe média. Estão a levar ao nascimento de luso-descendentes ao invés de portugueses.
Num breve olhar pela espuma dos dias, quantos professores (só para referir uma das profissões que deveria ser das mais respeitadas) irão emigrar a troco de melhores salários, mesmo que para isso coloquem o diploma na gaveta? Por certo, muitos. Quantos serão os jovens sem qualificação que irão para as estufas de uma qualquer Suíça em busca de melhores dias, e por lá irão constituir as suas famílias? Por certo, muitos.
E por cá? Por cá, talvez os nómadas digitais se convertam em sedentários e descubram que Portugal é muito mais do que as cidades do litoral. Talvez nessa altura os luso-descendentes, os filhos dos muitos luíses que emigraram com ou sem formação superior, regressem e possam continuar os sonhos interrompidos dos pais, num país eternamente adiado.
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