Na última semana, tem sido abundantemente noticiada a afirmação do ministro das Finanças de que os apoios durante a pandemia são para manter, custe o que custar. É uma afirmação que pode passar o teste da propaganda, mas que não passa infelizmente o teste dos factos nem o dos números.
Em primeiro lugar, convém passar do “custe o que custar” – declaração tão grandiloquente como “vaga” – para aquilo que efetivamente os apoios já custaram. Ora, olhando para a execução orçamental das medidas adotadas no âmbito da Covid-19 nas administrações públicas, podemos ver o valor exato dos seus impactos na receita e na despesa de janeiro a dezembro do ano passado. Somando os dois, ficamos a saber que o impacto orçamental das medidas tomadas foi de menos de 4 600 milhões de euros.
Se compararmos este valor, por exemplo, com o que o próprio Governo previa no último Orçamento do Estado como os efeitos das medidas Covid-19 no saldo orçamental – 5 357 milhões de euros –, é fácil perceber que o esforço orçamental ficou bastante abaixo do previsto.
Já se formos consultar a cronologia das medidas de apoio à economia e ao emprego que o Governo disponibiliza na sua página, podemos ver lá à cabeça como resposta de tesouraria um “alívio fiscal e contributivo” de 3 900 milhões de euros. Consultando, mais uma vez, a execução orçamental das medidas Covid-19 em 2020, vemos que o seu impacto na receita do Estado foi de apenas 1 426 milhões de euros. Na realidade, o alívio foi de pouco mais de um terço do que o Governo anuncia na sua apresentação.
Já em relação ao layoff simplificado, a medida central de apoio ao emprego na pandemia, também convém ter alguma memória. Em abril do ano passado, o então ministro Mário Centeno anunciava, no Parlamento, que “cada mês de layoff que envolva um milhão e meio de trabalhadores – neste momento, temos um pouco mais de um milhão – pode ter um custo aproximado de mil milhões de euros”. Já na semana passada, o ministro João Leão informou, no Parlamento, que, em 2020, o custo total do layoff simplificado e de apoio à retoma progressiva foi de 982 milhões de euros. Ou seja: o custo total do layoff, no ano inteiro, foi menos do que o Governo estimava que a medida custaria por mês em abril.
Vale a pena aqui chamar a atenção para um dado ainda mais importante: é que o número de trabalhadores abrangidos pelo layoff em 2020 também não chegou a ser de um milhão. Foram 897 mil trabalhadores.
O Tribunal de Contas, num relatório sobre a implementação do layoff simplificado, chamou a atenção para o facto de, em Portugal, se ter estabelecido como limite mínimo para se aceder à medida uma redução de 40% do volume de negócios, ao passo que outros países, como a Alemanha, a Irlanda ou a Dinamarca, exigiram apenas reduções inferiores. Ou seja: em muitos outros países, a medida foi mais acessível e foi mais fácil para as empresas recorrerem a ela.
E o ponto aqui não é apenas o de os números não baterem certo nem tão-pouco serem pouco fiáveis as afirmações do Governo. É que estes números falam da realidade, de trabalhadores cujos postos de trabalho poderiam ter sido salvos com medidas mais rápidas, de famílias que estão perante um futuro completamente incerto e de empresas que lutam para sobreviver entre encerramentos e burocracias.
Por último, se quisermos ir mais longe nas comparações, convém também olhar para o que o Governo estima que custarão outras respostas que não têm impacto orçamental direto, pelo menos para já. Em moratórias bancárias, a estimativa era de 6 100 milhões de euros e, em linhas de crédito, de 8 400 milhões de euros.
Ora isto quer dizer que o esforço do orçamento em 2020 foi muito inferior ao esforço de crédito que as famílias e as empresas vão ter de assumir no futuro e que a política do Governo não foi responder à pandemia custe o que custar; pelo contrário, foi deixar para amanhã aquilo que não quer ou não pode pagar hoje.
(Opinião publicada na VISÃO 1459 de 18 de fevereiro)