Mais de uma semana após as presidenciais, não se justifica estar a repetir o já dito. Fico-me por umas notas telegráficas sobre aspetos que não vi tratados, ou sublinhados, ou em que divirjo da opinião da atual multidão de comentadores.
Marcelo, vitória maior do que a de Soares
Alguém, imaginativo, resolveu garantir que o Presidente aspirava a ser reeleito com uma percentagem superior à de Mário Soares em 1991 − e isso entrou na “agenda”. Marcelo nunca o admitiu, afirmou até que tal seria impossível (mesmo sem pandemia…). Em 91 Soares conseguiu 70,35% dos votos, agora Marcelo 60,70%. Soares, líder do PS, foi quem no primeiro mandato, em 1987, “salvou” e “ofereceu” a maioria absoluta a Cavaco. Assim, teve o apoio expresso do PSD, então o partido maioritário. Candidatos seus oponentes, apenas três, do CDS, do PCP e da UDP. Compare-se tal quadro com o de agora e torna-se evidente que o resultado de Marcelo significa uma maior vitória política do que a de Soares em 91. E se houvesse uma segunda volta, fosse com Ana Gomes fosse com André Ventura, deveria alcançar cerca de 80% dos sufrágios.
E vitória de direita ou de esquerda?
Nem de uma nem de outra. Vitória de Marcelo, consagração do que fez e como agiu durante cinco anos. Afirmando-se de direita, que não é, defendendo e assegurando uma estabilidade governativa à esquerda. Num clima descrispado, numa sadia relação direta com os cidadãos, embora com excesso de aparições e opiniões, com tiques de um certo populismo, nesta altura com algumas vantagens… Face aos resultados eleitorais e à sondagem sobre quais seriam caso se tratasse de legislativas (35% PS, 23% PSD, etc.) o que julgo poder concluir-se é que, de acordo com os critérios dominantes, o Presidente reeleito teve mais sufrágios à esquerda do que à direita.
Trunfo a favor de Governo PS até 2023
Com exceção de Marcelo e Ana Gomes − que cumpriu o seu objetivo possível −, os candidatos eram de partidos e visando fixar o “seu” eleitorado. Ora os resultados de Marisa Matias (3,95%) e João Ferreira (4,32%) foram ainda piores do que se previa. Com o que tal significa só uma tendência suicida do BE e do PCP os poderá levar a provocar eleições antecipadas, não dando ao Governo do PS o apoio mínimo necessário para se manter até ao fim da legislatura. Aliás, a enorme queda de Marisa em relação a 2016 não se deve a ela mas a erros políticos do Bloco, em especial o voto contra o OE.
Chega de Chega e autárquicas
Sem atingir nenhum dos seus objetivos, André Ventura teve um bom e preocupante resultado. Por isso constitui um imperativo democrático a luta contra o que o Chega é e representa − luta só eficaz se inteligente, a “outra” só o favorece. E média que se prezem não podem, até por ser péssimo jornalismo, fazer-lhe o jogo como aconteceu muitas vezes nestas presidenciais, sobretudo nos primeiros debates televisivos. Entretanto, julgo que nas autárquicas se mostrará a verdadeira, mais diminuta, dimensão do partido. Porque nelas não colhem tanto as mentiras, os golpes baixos, a despudorada demagogia. E porque são precisas pessoas capazes de protagonizar candidaturas credíveis, o que penso será em geral difícil a tal partido, além do mais até agora (quase?) unipessoal.
(Opinião publicada na VISÃO 1457 de 4 de fevereiro)