A avaliação de ativos imobiliários vinha de um período dourado, com anos de performance excecional do mercado imobiliário Português, tanto do lado do imobiliário comercial, como do lado do mercado residencial e promoção/reabilitação urbana. De facto, várias transações foram fechadas nas mais variadas classes de ativos, conduzindo a volumes de investimento recorde ano após ano e a uma liquidez de mercado nunca antes vista, dando aos avaliadores uma visão clara para onde o mercado caminhava ao nível da valorização dos ativos.
No entanto, a situação atual, provocada pelo aparecimento da Covid-19, veio mudar este paradigma, tendo interrompido uma tendência sucessiva de subida dos valores dos imóveis em Portugal e com efeito imediato na queda abrupta/paralisação de transações, quer a nível local, quer a nível global, assim como na performance dos ativos, deixando os avaliadores com poucas certezas relativamente ao impacto desta crise no que ao valor dos imóveis diz respeito.
Ainda estamos longe de saber qual será a nova realidade de mercado que a pandemia nos trará e qual é o verdadeiro impacto na valorização dos ativos, principalmente a médio/longo prazo. No entanto, conseguimos já perceber, por aquilo que temos vindo a avaliar, que esse impacto vem essencialmente por duas vias: pela via da performance dos ativos desde que se instalou a Covid-19 e tendo em conta os efeitos do lockdown e medidas governativas tomadas para fazer face à conjuntura atual (moratórias de rendas, restrições de viagens, etc); e do lado do investimento, com o aumento da perceção de risco por parte dos investidores e, consequentemente, uma eventual pressão para a subida de yields, embora exista ainda uma evidente falta de transações de mercado que possam suportar esta tendência.
Esta realidade leva também a que se perceba, desde logo, que a evolução é diferente consoante as várias classes de ativos. Numa primeira fase, temos aqueles mais óbvios e cuja desvalorização acontece mais rapidamente, como são o retalho, promoção imobiliária e hotelaria e, numa segunda fase, os escritórios. Do lado contrário, os setores surpresa, como a logística, os alternativos e o residencial.
Os setores do retalho, hotelaria e promoção imobiliária foram desde o início da crise os mais afetados. Os primeiros claramente pelo lockdown, com quebras significativas de vendas em todos os setores de atividade (salvo raras exceções como os supermercados, as lojas de eletrónica, farmácias e bricolage/“do it yourself”) e que levou senhorios a concederem descontos, moratórias de rendas, períodos de carência para uma parte significativa dos inquilinos, com impacto direto no rendimento do ativo. Os segundos pela via do turismo e restrições de viagens, com as taxas de ocupação dos hotéis a chegaram a valores perto de zero nos meses do confinamento, acrescendo ainda a saída de Portugal do corredor aéreo do UK.
As desvalorizações destes ativos chegam a ser desde o início do ano e em termos acumulados de cerca de 5 a 10%. Por último, a promoção imobiliária, pela via da incerteza da evolução futura do mercado e que impacta diretamente os business plan dos promotores, refletindo-se imediatamente no aumento da perceção de risco destes ativos e numa paralisação de negócios.
O setor dos escritórios começou por mostrar alguma resiliência, especialmente em zonas prime, tendência essa que continua, sustentada por negócios importantes a acontecerem já em época Covid e com praticamente descontos nulos face à era pré-Covid. No entanto, em termos ocupacionais nota-se uma ligeira quebra nos níveis de take up (arrendamento) e uma tendência para um aumento da vacancy rate (taxa de disponibilidade), o que poderá, no curto prazo, levar a penalizações de ativos mais secundários e deixando ainda alguma incerteza de como se irá comportar o mercado ocupacional de escritórios daqui para a frente.
Por seu lado, a logística tem sido dos setores mais ‘sexys’, com um claro aumento do interesse por parte dos investidores dado o aumento claro das vendas online, contribuindo para que este setor não tenha sofrido qualquer desvalorização em Portugal e tendo mesmo havido um aumento de preço em alguns casos na Europa.
Por último, o setor residencial tem sido uma surpresa e de facto os preços têm-se mantido estáveis. Razões para esta evolução são muitas, mas desde logo se destaca a necessidade da existência de uma casa, independentemente da conjuntura. No pré covid, o grande problema do mercado residencial residia em ter capacidade de oferta para a procura existente, sendo que essa procura não se evaporou. Para além disso, as taxas de juro continuam muito baixas, sendo que o mercado doméstico respondeu muito bem durante estes meses; e, por último, um aspeto crucial que é a “nova” perceção sobre Portugal no estrangeiro. Os preços dos imóveis continuam a ser bastante competitivos no panorama global, a qualidade da nossa habitação é excelente, as cidades deram um salto invejável de requalificação, temos um ótimo clima, uma boa qualidade de vida, segurança e boas infraestruturas de saúde e educação.
Nota-se também que há setores emergentes que se têm comportado muito bem como é o caso dos chamados alternativos e em que as correções de preço têm sido também muito ténues ou mesmo inexistentes.
Continuamos ainda com muito incerteza face à evolução futura do mercado imobiliário em Portugal e do pricing dos ativos, que são analisados quase à semana. No entanto, os chamados “fundamentals” de mercado por cá continuam e antevemos que Portugal continuará a atrair capital que justifique que os valores dos ativos voltem a níveis pré covid ou até mesmo superiores, tendência essa que já se verificava antes de ter sido abruptamente interrompida por esta nova realidade global.