Comecemos pela boa notícia: há uma nova vacina que, de acordo com o que foi comunicado pelos seus fabricantes, tem demonstrado, nos ensaios, uma eficácia de 90% face à Covid-19. É uma ótima notícia para a Ciência e para o mundo, até porque, a concretizar-se, é também um excelente exemplo de como a cooperação internacional continua a ser a melhor arma para enfrentar as grandes crises globais.
A história desta vacina começou a ser escrita, logo em janeiro, numa empresa alemã de biotecnologia, liderada por um casal de investigadores, ambos filhos de emigrantes turcos. Estes, mal souberam que um novo coronavírus tinha surgido na cidade chinesa de Wuhan, alteraram imediatamente as suas prioridades: suspenderam a investigação de medicamentos contra o cancro, baseada na técnica genética do mRNA, e viraram todas as baterias para a descoberta de uma vacina capaz de derrotar o novo vírus.
Em março, quando o mundo já estava apavorado com a pandemia, uma gigante farmacêutica norte-americana associou-se ao projeto e, com ainda mais dinheiro e meios, foi possível iniciar o seu fabrico e a realização de testes com voluntários em vários países e resultados rápidos e animadores. Sob qualquer prisma, esta associação entre a BioNTech e a Pfizer constitui uma história inspiradora e, acima de tudo, esperançosa.
Relatada a boa notícia, desçamos à realidade. Esta vacina, para poder ser administrada, vai ter de ser aprovada pelos reguladores norte-americanos e europeus, com o rigor habitual, apesar da emergência, para que não se cometam erros. No melhor cenário possível (muito difícil de concretizar, mas ótimo para fazer salivar os mercados e disparar a cotação de várias empresas), poderá haver 20 milhões de pessoas vacinadas ainda neste ano e, no máximo, mais 650 milhões até ao final de 2021. E isto em condições muito específicas: cada pessoa terá de receber duas doses, com três semanas de intervalo, e as vacinas precisam de ser guardadas em frigoríficos especiais a uma temperatura de -80 graus, o que será um quebra-cabeças logístico.
Portanto, o melhor, mesmo, é refrear as ilusões: apesar dos 90% de eficácia da vacina nos testes, o estado de emergência em que acabámos de entrar tem também 90% de probabilidades de não ser o último. É melhor que nos preparemos, desde já, para uma terceira vaga… lá para a primavera.