Sente-se o cansaço no ar. Meses e meses desta nova peste que deixa médicos, enfermeiros e técnicos de saúde em permanente alerta, vivendo tantas vezes no limite, trabalhando na linha da frente, incansavelmente, para salvarem vidas e protegerem a comunidade. Noticiários desde março que se sucedem com números, estatísticas e interpretações, sujeitos a um monotema: vem aí uma segunda vaga, o novo surto já está entre nós, crescem os infetados e, no entanto, é necessário continuar a viver.
Em nome da vida, os alunos voltaram à escola, mascarados, impedidos de grandes convívios, na iminência de uma infeção que se descobre e que a todos pode devolver a casa. Professores temerosos e pais que não conseguem realmente organizar as suas vidas profissionais, sempre sujeitos ao imprevisto de terem de voltar para casa para os seus filhos poderem acompanhar.
Nas empresas luta-se para se sobreviver, acumulam-se planos de contingência, adiam-se sonhos e investimentos, olha-se diariamente para a “caixa”, não se renovam contratos, sucedem-se as baixas e os burn-out.
A exaustão contamina o poder. As olheiras, a irritabilidade, a frustração e os desacertos são indisfarçáveis. Líderes políticos, meses a fio, a lidarem com o desconhecido, ocultando a tensão permanente, procurando vender-nos esperança com incertos calendários de vacinas. A única certeza, porém, é um ciclo económico em que a realidade é a recessão mais severa, desemprego e, em muitos lares, a fome. O PS não está habituado a governar assim.
Adivinha-se a crise política. Suponho que não será para já – o povo não compreenderia uma gerigonça que só existisse para os tempos de “vacas gordas”, definição de António Costa. Mas, mais um ano, ela estará aí. Uma coligação informal não é cimento para a maior recessão e para a brutal crise social que traz por arrasto. Nem Bloco de Esquerda nem PCP acharão oportuno estar colados ao poder para as terríveis notícias, e o primeiro-ministro e o líder da oposição já nos fizeram saber que não existem para governarem juntos. É lógico, nenhum foi eleito nesse pressuposto.
Teremos, pois, eleições legislativas dentro de um ano, um ano e pouco, provavelmente logo a seguir às autárquicas. E a alternativa à esquerda não se percebe: Rui Rio não descola, o CDS não recupera, a Iniciativa Liberal trilha um caminho estimável, mas o povo português está envelhecido e, com exceção de alguns jovens urbanos, não é liberal, muito menos em momentos de desespero.
Na exaustão, cavalgam os populismos. Anda todo o mundo político e a comunicação social a verberar o Chega. Está claro que o sr. Ventura é um radical oportunista – embora também os haja, sem comoção geral, à esquerda… –, mas não compreendo tanta atenção. Custa-me que não se perceba que a sua ascensão é consequência de um imenso vazio, da revolta dos que não se sentem representados e de muito boa gente que está frustrada com a incapacidade de, à direita, não se apresentar uma alternativa clara, responsável, moderada e coesa. Não é trabalho fácil, entendamo-nos, mas era o mais necessário a um ano de eleições autárquicas. E, quiçá, legislativas.
PS. Por motivos profissionais, que em breve ficarão esclarecidos, decidi que este é o meu último artigo. Quero agradecer aos leitores da VISÃO e, obviamente, à diretora Mafalda Anjos o convite que me fez há seis meses. Foi uma experiência curta de que vou ter saudades.
(Opinião publicada na VISÃO 1349 de 1 de outubro)