Tem sido verbo comum falar-se de André Ventura como um oportunista. Participei na tese. De facto, um homem que escreve uma tese de doutoramento preocupada com a expansão dos poderes policiais, defensora das minorias e crítica do populismo penal e que agora surge gritando o contrário parece um oportunista.
É a explicação simples. André Ventura, candidato autárquico pelo PSD, viu no ataque à comunidade cigana uma oportunidade, viu ali o filão, o tipo de discurso que está a dar frutos noutras paragens e lançou-se. Dir-se-á que o seu passado demonstra que não há convicção na trilha escolhida. Dir-se-á que a convicção está no que escreveu na tese de doutoramento, em 2017, e que o pavoroso oportunismo político está no que nos apresenta agora, neste percurso devidamente catapultado pela CMTV.
Mas não fará mais sentido a lógica inversa?
Como me fizeram ver, as propostas atuais de Ventura, como a castração química de abusadores sexuais de menores, o confinamento de ciganos ou a prisão perpétua, jamais teriam validação académica. São tão absurdas do ponto de vista constitucional que efetivamente só podem ser esgrimidas depois de se estar validado de outra forma qualquer, que não através dessas propostas. Ora, o que Ventura fez, antes de chegar ao palco atual, foi, precisamente, usar-se de forma oportunista do sistema, para adquirir o grau académico que desejava, a tal legitimação curricular, para a qual teve de contribuir com ideias constitucionalmente aceitáveis, porque evidentemente não teria ido a lado nenhum se fizesse um doutoramento a propor as alarvidades que agora lhe saem da boca.
É por isso que talvez seja mais lógico perceber que o Ventura oportunista foi o que escreveu o doutoramento, para depois servir-se de um grande partido, o PSD, na mesma senda oportunista, como barriga de aluguer das suas ideias de extrema-direita e, finalmente, lançar-se com a cara que sempre teve, a de hoje, um fascista pronto a ser aquele a que, sem a perceção disto, os partidos democráticos de direita poderão dar mão, esquecendo a História do século XX.
É fundamental que a direita democrática perceba que o Chega não é um partido com uma ou outra ideia oportunista com o qual se pode dialogar. O Chega é um projeto de índole fascista liderado por uma pessoa que acredita no que diz. André Ventura não é oportunista agora. André Ventura foi oportunista a vida toda para chegar aqui, ao lugar onde não há avaliação académica ou profissional no sentido estrito daquilo que diz, pelo que finalmente pode dizer aquilo que pensa.
(Opinião publicada na VISÃO 1420 de 21 de maio)