0,2% de taxa de letalidade na população com menos de 60 anos. Esta era a estatística acumulada oficial da Covid-19, a 11 de Maio, em Portugal. A taxa real será ainda substancialmente inferior: recentemente a Fundação Champalimaud e o Algarve Biomedical Center conduziram um rastreio na população de Loulé, concluindo que a população imune (e, portanto, já alguma vez exposta ao vírus) é 14 vezes superior ao número oficial de infectados no concelho.
O medo condiciona. Numa decisão extemporânea, o Governo remeteu todos os jovens e crianças do Primário e Secundário para casa até Setembro. Crianças obrigadas ao isolamento social meses a fio, navegando na Internet todo o dia, quando, pelas estatísticas, não há jovens com menos de 20 anos mortos pela Covid-19… Alguém ponderou o dano psicológico e social provocado por decisão tão radical? Acresce que esta é uma situação que provoca sérias desigualdades na aprendizagem entre jovens com estatuto socioeconómico diferenciado: se já não é fácil aprender nestas circunstâncias para nenhuma criança, imagine-se a situação daquelas que estão remetidas a apartamentos minúsculos, todo o dia, e com pouco acesso ao mundo digital. Por último: esta decisão dificulta sobremaneira a vida dos pais com filhos em idade escolar, quando estes precisam de regressar ao trabalho e assegurar o seu rendimento.
Uma decisão errada que teve como fundamento o medo e não a razão sustentada na evidência dos números.
O medo é revelador. No apogeu das contaminações, vi muito boa gente defender o confinamento obrigatório durante um ano para os mais velhos (esses, sim, expostos a um maior risco, devem ser especialmente prudentes) como se essa fosse uma medida equacionável numa democracia liberal que respeita a dignidade humana e está fundada na liberdade e responsabilidade individual. Vi entusiasmo com os certificados de imunidade, como se essa fosse uma possibilidade para, criando cidadãos de primeira e de segunda categorias, discriminar o acesso à circulação e o direito ao trabalho presencial. E vi considerações encantadas com a eficiência das apps obrigatórias em regimes asiáticos, maravilhosas engenharias intrusivas da privacidade que controlam o indivíduo até ao mais ínfimo movimento.
O medo pode ser totalitário. Numa situação de conflito entre segurança sanitária e liberdade, pode existir a tentação de ceder ao espírito securitário que justifica autoritarismos: como se fosse aceitável proteger a saúde ao ponto extremo de desconsiderar a dignidade de cada ser humano. Felizmente o bom senso prevaleceu e desconfinámos com um plano que, excepto no tema das escolas, me parece equilibrado e assente na responsabilidade individual. Estou a dar por adquirido, como foi anunciado, que o Governo aproveitou estes dois meses de justificado confinamento para reorganizar e dobrar a capacidade hospitalar no que ao combate à Covid-19 diz respeito. Porque quando o sistema de saúde colapsa, como vimos em Espanha, Itália ou França, o risco aumenta exponencialmente.
O medo é recessivo. A crise económica que já estamos a viver não tem paralelo: perda de rendimentos, desemprego e relatos crescentes de fome. É preciso não a agravar mais. A primeira condição para a retoma económica é vencermos o medo. Eu tenho medo, acho que todos temos medo. Apesar de saber que a solução estará, provavelmente, na imunidade de grupo, ninguém verdadeiramente deseja ser infectado pela Covid-19. Ainda que na larguíssima maioria dos casos abaixo dos 60 anos a infecção seja assintomática ou ligeira, há relatos de casos de isolamento e de sofrimento pessoal que queremos evitar e há, sobretudo, esse receio justificado de contaminarmos alguém mais velho que amamos. Há limites, porém: a economia e a vida não aguentam tanta paralisação.
É preciso aprender a viver para além do medo. Tratar o vírus por tu e seguir em frente. Se está em idade activa, muna-se de um stock de máscaras suficiente, lave as mãos com frequência, mantenha a distância social e regresse ao trabalho e à Vida (possível). Agora que se tem maior informação sobre o vírus e que as regras estão definidas, mil vezes correr o risco de ser livre do que viver prisioneiro da segurança.
(Opinião publicada na VISÃO 1419 de 14 de maio)