Como faz sempre questão de dizer o meu querido amigo Prof. António Lima-de-Faria (do alto dos seus 98 anos de sabedoria) nas suas preciosas intervenções públicas, o obscurantismo foi e continua a ser o maior inimigo da nossa sociedade. Nunca para mim estas palavras fizeram tanto sentido como nos dias em que vivemos. O desconhecimento expõe toda a nossa fragilidade como espécie e sobre a forma como nos organizamos nesta aldeia global onde vivem mais de 7 biliões de seres humanos.
Não tenho qualquer dúvida de que o mundo onde estávamos habituados a viver não será o mesmo depois desta pandemia que havemos de ultrapassar. A grande questão que se levanta é qual o preço que iremos pagar. Refiro-me a vidas e não a divisas. Caminhamos exponencialmente para que daqui a uma semana o número de infetados com Covid-19 seja pelo menos dez vezes maior do que é hoje, e cada dia que passa à espera de que as coisas aconteçam é uma oportunidade que perdemos para “achatar a curva” e encontrar a única saída que permitirá salvar vidas. Torna-se, por isso, vital que os nossos decisores políticos tomem as suas posições em linha com o melhor conhecimento disponível, não nos últimos anos ou meses, mas atualizado ao dia!
Todos os dias surgem na comunidade científica relatos e novas publicações que oferecem soluções para melhorarmos a nossa resposta à pandemia.
Por exemplo: é agora claro que as pessoas assintomáticas, mas que são portadoras do SARS-CoV2 (o “coronavírus”) sem o saberem, são um dos grandes propagadores da doença . Pensemos nisto antes de nos concentrarmos em massa para entrar num supermercado (como vimos, por estes dias, acontecer no Reino Unido e nos EUA; grande exemplo de civismo têm mostrado os portugueses nesta matéria), quando aguardarmos para embarcar nos aeroportos para regressar às nossas casas e família e quando nos juntamos nos refeitórios das fábricas para almoçar.
A única forma de reduzir este fator e estratificar as pessoas de uma forma eficaz é começar ONTEM a testar toda a gente e não só as pessoas que apresentam sintomas ou tiveram contacto com quem já contraiu a doença. Não havendo ainda prova científica, mas fazendo todo o sentido, os testes em massa à Covid-19 parecem estar na base da evolução controlada da doença na Coreia do Sul , e há também relatos que o mesmo aconteceu numa pequena cidade em Itália, país que é atualmente o epicentro da epidemia.
De que é que estamos à espera?
Já sabíamos disto há três dias… mas ainda ontem a DGS veio dizer que testes em massa não eram prioridade, admitindo rever a sua posição (como tem vindo a acontecer em relação a outras matérias), caso exista capacidade. Tenho conhecimento de que os nossos melhores centros de investigação e faculdades ligadas à saúde reúnem todas as condições necessárias e já se disponibilizaram ao Governo para aumentar a nossa capacidade de testar pessoas. Não esperemos mais, cada dia que passa é uma oportunidade que perdemos para fazer algo que está ao nosso alcance. Em todo o caso, dada a evidência, o melhor que temos a fazer é que cada um assuma que está infetado e evite infetar os outros. Não custa nada e pode salvar vidas.
Surgiu também a notícia de que o uso de Cloroquina (e derivados), um fármaco aprovado para uso humano no tratamento e profilaxia da malária, inibe a infeção com SARS-CoV2 em modelos celulares usados em laboratório. O seu uso em doentes com Covid-19 na China e na Coreia do Sul parece ter um impacto positivo e foram recentemente disponibilizados dados (ainda não validados pela comunidade científica) do primeiro ensaio clínico realizado em França que suportam essa tese.
A grande vantagem sobre o longo processo até eventualmente termos uma vacina disponível, é que este fármaco está já disponível em grandes quantidades no mercado e é seguro para uso humano, sob indicação e prescrição médica. Devemos por isso estar atentos e seguir os últimos desenvolvimentos nesta matéria. Os EUA e o Presidente Trump apressaram-se já a seguir essa estratégia, mas o FDA (o organismo que regula o uso de medicamentos nos Estados Unidos) veio já expressar cautela. O grande problema é a necessidade de avançar, sem o conhecimento necessário. Há que avaliar o risco e o potencial benefício e tomar decisões que podem salvar vidas.
A ciência também nos tem ajudado a perceber o que pode ter estado na origem desta pandemia. Contra todas as teorias da conspiração (o obscurantismo no seu melhor…), demonstrou-se que o SARS-CoV2 humano é 96% semelhante a um coronavírus existente em morcegos. Curiosamente, a mesma ciência já nos tinha alertado em 2007 para o perigo de reemergência de novos surtos de SARS (a doença respiratória associada a alguns coronavírus) com origem em morcegos e ainda no ano passado esta ameaça foi estudada a fundo, com renovados avisos.
Não estando ainda demonstrada que no caso do SARS-CoV2 a transmissão tenha ocorrido diretamente entre morcegos e humanos, a capacidade de se deslocarem longas distâncias (os morcegos são mamíferos que voam), conjugada com zonas densamente povoadas, como no caso da cidade de Wuhan na China, e uma cultura que aprecia o consumo de animais exóticos, era uma bomba relógio anunciada e que acabou por se revelar uma tempestade perfeita.
Muito se tem dito e escrito sobre se a pandemia Covid-19 é ou não uma ameaça maior do que a “simples” gripe sazonal. Relembro aqui que, nos períodos de pico da gripe, os nossos hospitais já tinham dado indicação de larga ultrapassagem da sua capacidade de resposta, facto que se encontra escarrapachado em relatórios da própria DGS datados de 2009. Nos últimos anos, a nossa incapacidade de resposta foi notícia recorrente.
Não foi por falta de aviso: foi mesmo irresponsabilidade política.
Ainda é cedo para compararmos taxas de mortalidade de uma e de outra (reforço aqui que não podemos ignorar que grande parte das pessoas infetadas com Covid-19 nem sequer o sabem, nem provavelmente o irão saber por serem assintomáticas, e a coisa só não é pior no caso da gripe porque existe uma vacina – que muitos de nós optamos por não tomar!).
Aprendamos com os erros e comecemos a levar a Ciência a sério nos processos de tomada de decisões e assumamos, de uma vez por todas, a Ciência como a única arma contra o medo e um dos grandes pilares transversais a todos os sectores da nossa sociedade, da Economia ao Direito, da Saúde à Educação, e não um luxo a que nos podemos dedicar.
A propósito de Economia, os últimos dados parecem indicar que as pessoas infetadas com Covid-19 desenvolvem uma resposta imunitária em relação ao vírus. É preciso estar atento à medida que estes estudos se alarguem a populações de maior dimensão e, caso se confirme, usar este conhecimento para fazer regressar aos seus postos de trabalho as pessoas infetadas que entretanto recuperem (para render aqueles que entretanto contraiam a doença), assim que tiver garantido que não se expõem ao risco (porque adquiriram imunidade), nem representam um risco de transmissão para os outros. Será esperado que, à medida que a propagação da Covid-19 evolua, o número de pessoas recuperadas venha gradualmente a ser superior ao aparecimento de novos casos, e isto é uma boa notícia.
Uma nota final sobre o acesso livre à Ciência.
Muitas pessoas não sabem, mas muito do conhecimento que é agora tornado público e que uso aqui para sustentar a minha opinião, não estaria normalmente disponível de imediato, porque até o conhecimento tem fins lucrativos. É da responsabilidade da comunidade científica, mas também dos governos que suportam a Ciência, e da própria opinião pública, deixar de compactuar com este modelo de negócio que sustenta uma indústria cujas receitas anuais são na ordem dos biliões de euros.
Apesar de tudo o que nos preocupa, a população mundial continua a aumentar ao ritmo de três pessoas por segundo. Estamos condenados a prevalecer e teremos de viver com isso.
NOTA: Aquilo que se expressa neste artigo reflete unicamente a opinião pessoal do autor e não deve ser vista, em caso algum, como uma posição reconhecida pela instituição à qual o autor se encontra afiliado.