Não é fácil escrever sobre alguém que tanto admirávamos nos Açores e que nos deixa prematuramente. Escrevo hoje sobre Zuraida Soares, cuja morte nos deixa a todos depauperados.
Habituei-me a respeitá-la, muito pelo seu saber enquanto académica – foi brilhante docente da Universidade dos Açores nas áreas da Filosofia e das Ciências da Educação – e, sobretudo, porque se obrigava à solidariedade, quase religiosa, em especial para com as classes mais desfavorecidas, de acordo com uma ética social onde se incluíam os valores humanos de equidade, lealdade, liberdade e assistência, para lá de ideologias, o que a coloca na vanguarda do seu tempo. A sua máxima era “reinventar, a cada momento, todas as lutas possíveis, em nome da dignidade humana e da construção de um mundo sem donos”. Diria eu que defendeu um mundo que conciliasse a política com as necessidades da comunidade, sem, contudo, pôr em causa as liberdades individuais ou o respeito para com as minorias.
Zuraida Soares, mãe de quatro filhos e avó de cinco netos, deixou-nos no passado dia 8 de fevereiro, com apenas 67 anos de idade. Levou-a a impiedade de uma doença que não perdoa, imediatamente após se aposentar. E tinha tanto para nos dar.
Era uma mulher de esquerda, mas respeitada pelos demais quadrantes ideológicos e partidários, precisamente por, creio, assentar a sua atuação política numa moral que todos prezamos.
Autonomista convicta e política multifacetada, considerava que a “açorianidade também é luta” e que a Autonomia Constitucional açoriana é uma “filha dileta da democracia”.
Mulher de causas, encontrou no Bloco de Esquerda, de que foi fundadora, o fio condutor no combate ao aproveitamento e à hipocrisia político-partidária. Gerou inimizades – pudera não! – sobretudo, nas mentes menores, chegando a contestação às suas prestações ao ponto da violência física. Mas medo e desistência foram palavras que jamais fizeram parte do modo corajoso como Zuraida Soares enfrentou a vida. Quanto mais a diminuíam e desvalorizavam, mais ela se expunha e mais crescia o ser humano.
Foi coordenadora do Bloco de Esquerda, nos Açores, entre 2004 e 2014, integrou a Mesa Nacional do BE até à X Convenção Nacional e a Comissão Política Nacional, entre 2014 e 2016.
Eleita deputada à Assembleia Regional dos Açores, em 19 de outubro de 2018, e reeleita a 14 de outubro de 2012 e a 16 de outubro de 2016, Zuraida Soares engrossou a ala mais à esquerda na Assembleia, ingressando na casa da democracia açoriana já após a presença no parlamento do comunista José Eduardo Decq Mota, eleito mais cedo, entre 1984 e 1988 e depois entre 2000 e 2004, pela coligação CDU (PCP/PEV).
A influência à esquerda que a deputada acrescentou às bancadas do parlamento regional, inquestionavelmente, veio arejar a democracia na Região Autónoma dos Açores, quando o arquipélago padecia da solidão de um bi-partidarismo já quase insuportável, então protagonizado pelo PS e PSD.
Foi brilhante parlamentar até 20 de setembro de 2018, sabendo ceder, na oportunidade, o seu assento a um par do partido, sendo, na altura, surpreendentemente aplaudida de pé e por unanimidade pelos adversários políticos, que justamente elogiaram a oradora e o ser humano.
A democracia açoriana chora a cidadã e a democrata. Os Açores ficam mais pobres.