Um dos segredos mais mal guardados da família real britânica está fechado a sete chaves numa sala do Palácio de Buckingham: o documentário Royal Family. Produzido pela estatal BBC, sob a supervisão do então secretário de Imprensa da rainha, o australiano William Heseltine, e pelo príncipe Filipe, o filme começou a ser rodado em junho de 1968 e, no total, a produção estendeu-se por 75 dias, em 172 locais diferentes. Quando foi exibido pela primeira vez na televisão, ainda a preto-e-branco, milhões de britânicos puderam observar aquilo que, ao longo de séculos, nunca lhes tinha sido permitido ver: a família real a comportar-se como se fosse uma família normal. Ao longo de quase duas horas, num clima insuflado pelo espírito de liberdade e de transgressão de 1969, os britânicos ficaram agarrados aos seus televisores a ver como os Windsor eram, afinal, quase tão “modernos” quanto eles. Viram a rainha a preparar uma salada, enquanto o marido grelhava salsichas, mas também penetraram um pouco na conversa mundana que a soberana manteve com o então Presidente Richard Nixon, e até como ela tirava dinheiro da mala para pagar um gelado ao filho Eduardo.
A verdade é que depois de ser exibido sete vezes, ao longo desse ano, para uma audiência que representava 68% do público adulto do Reino Unido, o documentário foi depois guardado em caixas e remetido, juntamente com dezenas de horas de película que não entraram na montagem final, para os arquivos reais – de onde não pode sair sem autorização expressa da rainha. Por uma única e simples razão: porque, com a sua naturalidade, mesmo fabricada, o filme comprometia a mística dos Windsor e retirava todo e qualquer efeito do jogo de sombras em que a monarquia britânica vive e tem perdurado.
A prova de que, em casa dos Windsor, as regras não se alteram ao sabor dos tempos está no facto de, mesmo meio século depois, o documentário Royal Family continuar escondido – exceto um curto segmento de 90 segundos que pode ser encontrado no YouTube. Numa Inglaterra em crise de identidade, ainda a tentar sair de uma crise pós-imperial e prestes a iniciar um caminho separado da União Europeia, a “magia” da família real continua a ser um elemento fundamental para a autoestima de uma nação desorientada. Nestes momentos difíceis, diria Isabel II da série The Crown, o génio não pode sair de dentro da lâmpada – tem de continuar, mesmo que lhe custe, a fazer a sua magia. Harry e Meghan podem querer sair do “filme”, mas já se percebeu que, neste caso, não há maneira de o esconder em qualquer arquivo secreto.