A ilha de Moçambique está assente num recife de coral e o seu cartão de cidadão diz que tem três quilómetros de comprimento por 400 metros de largura. Numa ponta encontramos a Cidade de Pedra, com muitas ruínas de monumentos e colonialismo, na outra está a Cidade de Macuti, com muita gente e precariedade. Menos de vinte e quatro horas depois de chegarmos a esta pacatez lânguida, pagámos a portagem de saída – 10 meticais – e voltámos a percorrer a ponte estreita que liga ao continente.
Decidimos ir espreitar uma das praias mais bonitas do país, mas o caminho, mais uma vez, foi impróprio para veículos sem tração às quatro rodas, com trinta e cinco quilómetros de terra, lama e areia, e cinco em alcatrão. Em termos geográficos demos a volta à Baía de Mossuril para ficar nas mesmas águas que banham as ilhas de Moçambique, de Sete Paus, de Goa e das Cobras.
Perto do nosso destino começamos a ver as casas de férias construídas nos últimos cinco anos, faziam lembrar o malogrado movimento arquitetónico “Fonte da Telha Anos 80”, mas ao chegarmos ao areal em frente ao Restaurante Carrusca, os coqueiros, a areia fina, os azuis que pareciam verdes e os verdes que pareciam azuis, remeteram-nos para o imaginário do paraíso tropical caribenho. Os vendedores de corais, os pescadores de marisco fresco e os três rapazes que estavam a restaurar um barco para um ministro, completavam o cenário de postal da Praia das Chocas.
Após um mergulho de uma hora que dispensa adjetivos, fomos comer o que mar nos quis dar. Perdoem-nos mas a grandiosidade da natureza nunca fica igual nas fotografias nem nas descrições. No restaurante encontrámos Márcia, amiga do nosso Carlos Almeida, antiga madrinha da Helpo (antiga porque entretanto houve uma crise no país) e com um cargo no Governo Distrital do Mossuril. No regresso a Nampula parámos na pequena loja onde Márcia vende um pouco de tudo, extensões de cabelo, uma espécie de azeite que nunca viu azeitonas, pintura original em telas, cadeiras de plástico e preservativos. “Esses daí não vale a pena, não compram camisinha, por isso é que existem os índices de HIV que existem”, comentou a pequena empresária e responsável por todos os assuntos políticos relacionados com SIDA no distrito, uma mulher cheia de planos para o futuro. Do outro lado da rua uma oficina de motos reparava a sua moto 4×4.
Repetimos a paragem do dia anterior na Igreja de Carapira que, desta vez, tinha a porta aberta. Lá dentro conhecemos uma freira de Bérgamo, perto de Milão, que está em Moçambique há 52 anos e nos abençoou a viagem.
À beira da estrada continuámos a encontrar muitos dos vendedores – na maioria crianças – que pululam nas regiões de Cabo Delgado e Nampula. Os mais agressivos vendem castanha de caju e põem-se praticamente à frente dos carros com um prato colorido de plástico a servir de semáforo. Passámos verdes, azuis, vermelhos, amarelos e só parámos para comprar atas, um fruto primo da anona que tem feito as nossas delícias, e duas sacas de carvão.
Outros produtos que se podem comprar na comodidade do banco do automóvel incluem coco, banana, abóbora, mel, papaia, piripiri, cana de açúcar, peixe seco, carne fresca, maçarocas de milho, feijão, mandazi (entre outros bolos), amendoim, ovos cozidos, camarões-tigre, galinhas vivas, sacos de sal, montes de areia gigantes, carregamentos de telemóvel, e já nas ruas de Nampula, fios de borracha, chinelos e a carne fresca mais antiga do mundo.
Segundo dados da Wikipédia, nos EUA existem 797 veículos automóveis (motos não incluídas) para cada 1000 pessoas, em Portugal são 548 para 1000, na África do Sul são 165 para 1000 e em Moçambique são 12 para 1000, à frente, por um veículo, da Coreia do Norte. Aos olhos de quem anda quilómetros a pé com o sustento equilibrado no cocuruto, para todas as crianças que à beira das vias principais vendem o que a natureza dá, os automóveis que passam não são transportes, são ilhas de riqueza com quatro rodas e uma oportunidade de serem generosos com eles.