Poucos terão sido os momentos na história recente em que se acumularam tantas incertezas. Mesmo os partidos e políticos moderados, embora subscrevendo propostas reformistas e nada revolucionárias, estão a colocar-se em campos tão opostos e inconciliáveis que radical passou a ser a palavra certa para adjetivar as divergências que apresentam. Voltou a falar-se em esquerda e direita, e algumas clivagens voltaram a ficar bem nítidas.
Veja-se o caso de Portugal. O modelo do PS, baseado num grupo de economistas (não de filósofos, pensadores ou políticos), tem uma solução. Perdoe-se a simplificação, mas a coisa é mais ou menos assim: corta-se uma pitada nas contribuições para a Segurança Social, diminuem-se q.b. uns impostos, salpica-se a economia com uns euros e a descompressão sobre a classe média volta a animar os negócios. Com a economia mais “mexida”, o bolo do Estado acaba por fermentar melhor e as contribuições de que prescindira acabam por regressar, por via dos impostos sobre os novos lucros; os salários que subirem renderão mais IRS, apesar de os escalões poderem ser mais acolhedores. A Segurança Social, com a recuperação do emprego, poupa em subsídios e ganha em contribuições (o desemprego custou 8 a 9 mil milhões nos últimos três anos). Simpático, não? Aliciante, sobretudo após quase quatro anos a ouvir falar de cortes e austeridade.
Mas se assim é, porque não anda tudo entusiasmado? Talvez porque não se percebeu bem como vai funcionar a proposta do PS. Afinal não estão a propor o regresso ao que tínhamos antes da crise? Sem aumentar o défice, é possível reanimar a economia ao ponto que se deseja?
Por outro lado, também não se percebe como vai melhorar o futuro se se mantiver a receita do Governo, a tal que até agora trouxe aumento do défice e dias nada agradáveis, com cenas inaceitáveis como a das filas para exames médicos ou números assustadores de desemprego jovem e não jovem e uma emigração desumana (além de esbanjadora de valioso património).
Uma coisa é certa: o que uns defendem, os outros rejeitam.
Alarguemos os horizontes. Que vai ser da Europa? Qual dos lados tem razão sobre a forma de ultrapassar o problema grego? Tal como em Portugal, tão extremadas estão as posições que parece difícil haver uma parte que tenha um bocadinho de razão e que a outra também tenha argumentos válidos. Neste caso, há pelo menos alguma sinceridade: reconhece-se que ninguém sabe o vai acontecer se a Grécia sair do euro. Arriscam-se, portanto, soluções na expectativa de que acabe por se escolher o mal menor. Convictos? Nada disso. Apenas esperançosos. E com uma certeza: o problema apenas ficará adiado, não resolvido.
No País e no continente, um dado comum. Discute-se Economia, esconde-se a Política. Afinal para onde caminhamos? Que País e União queremos?
Os problemas empurram-se para o futuro (a célebre técnica das SCUTS: quem vier resolverá). Escasseiam as soluções para reformar o Estado, a sociedade, a burocracia e os poderes e instâncias europeias. O futuro está a ser pensado a curto prazo. Construir um Portugal mais eficaz e uma Europa mais coesa são palavras de ordem completamente ocas.
Doutor por prescrição – Na entrevista de Miguel Relvas ao Expresso da passada semana, os jornalistas perguntam: “Como devemos tratá-lo? Por Miguel Relvas ou por dr. Miguel Relvas?” Resposta: “Como sempre me trataram.”
Ou seja, para ele nada mudou. Não é problema ter um diploma que o Ministério da Educação e a Procuradoria-Geral da República consideram inválido. Não o preocupa ter sido o mais beneficiado de quantos contaram com equivalências mal concedidas. Não o afeta estar a discutir em tribunal se pode manter o título apenas por ter prescrito a possibilidade de lho retirarem. Em toda a entrevista, não mostra qualquer constrangimento, antes tenta passar por vítima. “Cumpri escrupulosamente”, assegura.
Sugestão: quando lhe voltarem a perguntar como deve ser tratado deveria responder: “Por doutor. Por doutor, graças a uma prescrição.”
Perverso – Queria o movimento Direito a Nascer que as mulheres que se submetessem a uma IVG assinassem a ecografia realizada antes da intervenção. Maior maldade só exigir que deem nome ao feto.