Alexis Tsipras fez marcha-atrás: afinal, a Grécia já não quer perdão da dívida, quer apenas reformular condições de pagamento. E a Europa deu também o dito por não dito: afinal, há espaço para negociar e vontade política para o fazer, embora a Alemanha continue firme no papel de “polícia mau”. Mas nem tudo se joga aqui, no plano político. E nada é garantido. Tanto podemos ter um acordo global já hoje, que traga tranquilidade à Grécia e à Europa para os próximos tempos, como podemos ter uma grave crise depois de amanhã, de proporções desconhecidas. Este jogo de avanços e recuos não é novo e é tipicamente europeu: uma negociação constante, feita no meio de um ruído sem nexo nem rumo. E muitas vezes no limiar do abismo, como poderá de novo acontecer.
O Governo grego conseguiu, inegavelmente, marcar o seu ponto de vista: o de que o plano de assistência financeira à Grécia é injusto, porque está a mergulhar o povo grego na miséria, é contraproducente, porque impõe medidas de austeridade que deixam o país cada vez mais pobre e mais endividado, e é irrealizável, porque a Grécia nunca conseguirá cumprir com o plano de pagamento da dívida, de 315 mil milhões de euros. Conquistou compreensão política junto de vários Estados europeus e da Comissão Europeia porque foi firme nas suas posições, afirmando a sua soberania, sem pedir autorização prévia a quem quer que fosse. Um apoio que se traduziu em encontros do ministro das Finanças, Varoufakis, com os seus homólogos francês, britânico e italiano, e do primeiro-ministro, Tsipras, com o primeiro-ministro italiano, com o Presidente francês e com o presidente da Comissão Europeia… E que foi conseguido porque souberam também recuar para posições mais moderadas, sobretudo ao passarem a dizer que a Grécia quer pagar a dívida, embora ao ritmo do crescimento, da capacidade de pagamento, da sua economia.
A Europa cedeu e o radical Syriza deu lugar a um Syriza razoável e empenhado na procura de apoios entre o establishment europeu. É verdade que isto não garante o entusiasmo da Alemanha, nem uma saída aceitável para todas as partes. Mas mantém as negociações num campo onde se espera que o jogo político e a simples aritmética dos interesses comuns acabe por falar mais forte.
Diferente é o que se passa no outro tabuleiro de jogo, o dos mercados financeiros. Se é verdade que as primeiras decisões do Governo grego o ajudaram a marcar posição política, tiveram simultaneamente pesados custos, quer ao nível da subida das taxas de juro a que o País se financia quer em termos de debandada de capitais da banca. Dois fenómenos que ajudam também a explicar a rápida inversão do discurso político de Tsipras e Varoufakis.
A UE, por muito difusa que seja, tem governos e instituições com quem se pode discutir e a quem se pode mostrar o que há a perder ou a ganhar com mais ou menos flexibilidade. Mas quando o dinheiro começa a fugir a uma velocidade estonteante, com um volume tal que deixa sem liquidez três dos principais bancos, não há com quem se troque argumentos ou discurso político que valha. A única coisa a fazer é tentar travar a sangria o mais rapidamente possível. E isso só acontece com um discurso tranquilizador, o que Tsipras e Varoufakis se viram obrigados a fazer. Porque aqui, ao contrário do que acontece ao nível político, as posições de força, as ameaças de rutura, não dão qualquer vantagem negocial, apenas agravam prejuízos.
O Syriza, agora que é Governo, tem de se habituar ao facto de que está condenado a jogar também neste tabuleiro. Não é uma opção, é a realidade. Tudo o que diz ou faz tem efeitos imediatos, “mecânicos”, no comportamento dos inúmeros agentes que dão corpo aos chamados “mercados financeiros”. Não há mediação política, existe apenas reação: de confiança ou de medo.
À Grécia, não lhe basta ‘dobrar’ o dogmatismo germânico. Tem de conseguir um acordo que lhe garanta também a confiança dos mercados, a liberdade financeira. Se isso não acontecer, se continuar em permanente dependência da boa vontade do BCE e das capitais do centro da União para não cair na falência, a recente afirmação de soberania do ?Governo grego perante a troika vale ?pouco mais que zero.
Mas era também importante que a UE tirasse a devida lição desta vitória do Syriza. O centrão de esquerda e direita, que historicamente decide os caminhos da Europa, deixou que a balança pendesse de forma manifestamente excessiva a favor de uma ortodoxia financeira que desumaniza a economia. E o resultado só pode ser este: a perda sistemática de eleitorado por parte dos partidos que têm na União Europeia o seu grande projeto político. Ou, dito de forma eventualmente mais correta, a perda gradual da confiança dos povos da Europa naquilo em que o projeto europeu se transformou, de facto e pela mão dos seus partidos tradicionais. Porque há vida(s) para além do euro.