Miguel Albuquerque tirou o poder a Alberto João Jardim, colocando um ponto final na mais velha liderança política portuguesa do pós-25 de Abril. Isto, por si só, como espero que os madeirenses tenham a oportunidade de verificar, é uma bênção que lhes chega com muitos anos de atraso. Porque a grande verdade, desta hora de mudança de poder, é que não há, de facto, outro lugar no País que se pareça tanto com Cuba como a Madeira.
Os madeirenses vão, finalmente, ter o seu 25 de Abril. Apesar da responsabilidade de terem mantido Jardim no poder ao longo de 36 anos, já mereciam a oportunidade de viver numa sociedade efetivamente livre. Vão, por fim, saber o que é poder dizer o que pensam sem terem receio de represálias no trabalho. Poderem militar num qualquer outro partido que não seja o PSD, sem que isso seja um estigma profissional e social. Ir ou não ir ao Chão da Lagoa, sem que isso seja determinante para o futuro da sua carreira na Administração Regional.
Não pertenço ao grupo dos que olham para os gastos absurdos da Madeira e esquecem os pecados cometidos de norte a sul do Continente. Por cada metro de túnel que existe na Madeira, existem dezenas de quilómetros de autoestradas desertas no Continente. Por cada praia artificial, milhares de rotundas em tudo quanto é cruzamento de estradas e de ruas. A pressa de recuperar anos de atraso, a facilidade dos fundos europeus, o populismo, a inconsciência e a impunidade fizeram os mesmos estragos em todo o País. Da mesma forma que por cada pobre que vive nas grutas da Madeira, vivem centenas de sem-abrigo nas ruas mais chiques de Lisboa e Porto. Uns e outros são realidades igualmente inaceitáveis e a prova acabada da clara inversão de valores e de prioridades que afeta a generalidade do território nacional.
Mas a Madeira continua a ser diferente do Continente. E a principal dessas diferenças, que é também a mais penalizadora, é a falta de democracia, de liberdade e de verdade em que tem vivido.
A Madeira vai ter dificuldades em sair do buraco onde se encontra porque está, desde logo, asfixiada por uma dívida incomportável e não vai poder contar, por motivos óbvios, com grande apoio financeiro da República – nem a Madeira nem qualquer outra região ou município. Mas, em cima do pano de fundo em que vive o País, os madeirenses terão de contar com as fragilidades que resultam de décadas de um poder inaceitavelmente paternalista e centralizador: a política asfixiante de Jardim, a somar às dificuldades objetivas da insularidade, matou o empreendedorismo e a competitividade empresarial, deixando a economia local refém do dinheiro e dos favores do governo regional – dinheiro (e favores) que já não podem existir.
O futuro líder madeirense vai ter uma vida difícil. Mas, em contrapartida, terá, pelo menos, um trunfo para enfrentar a crise de que o Continente não dispõe: o fim da era João Jardim. O que significará, como esperamos – e isso estará nas suas mãos -, o fim de um “regime” sem liberdade, sem pluralismo e sem respeito pela diversidade; de uma economia fechada e público-dependente; de um discurso fraturante, baseado e autoalimentado numa falsa animosidade entre a Madeira e o Continente, que apenas serviu o objetivo de manter os madeirenses alheados da real fragilidade da sua economia e da mediocridade do seu governo. O fim de uma demagogia permanente e até mesmo de um discurso com um estilo e uma linguagem que envergonha – porque não espelha ?- a cultura madeirense.
Uma nova liderança na Madeira (com o PSD no poder ou com a vitória da oposição) abre perspetivas de mudança comparáveis a uma revolução. E o “choque” de liberdade que essa mudança trará aos madeirenses não deixará de se fazer sentir no desenvolvimento político, social e económico da região.
Albuquerque conquistou a liderança do PSD, convencendo cerca de 60% dos militantes do seu partido de que era capaz de fazer melhor e diferente de Jardim. Os candidatos à liderança do governo só chegarão à vitória se conseguirem convencer a generalidade dos madeirenses do mesmo: de que são capazes de lhes dar tudo aquilo que não tiveram nos últimos anos.
E o vencedor terá a oportunidade que qualquer político sonha ter: a de suceder a um mau líder, mostrando que é possível fazer política de forma diferente; com respeito pelos outros e pelas suas ideias; com diálogo dentro e fora do partido; que é possível liderar sem condicionar a liberdade individual, seja na opinião ou na iniciativa empresarial. Que é possível fazer bem feito. Fazendo quase tudo de forma diferente daquela que Alberto João Jardim escolheria.