Terça-feira, um dia antes da entrega do OE na Assembleia da República, e muita água pode ainda correr debaixo da ponte até que o IRS e a sobretaxa do IRS para 2015 estejam definitivamente fechados. Mas a proposta de manutenção da cobrança da sobretaxa de 3,5% ao longo de 2015, com a promessa de devolver aos contribuintes parte desse encaixe caso se ultrapasse – e na medida em que se ultrapassar – os objetivos para ganhos de receita no combate à evasão fiscal, é um esquema que ilustra bem a criatividade do Governo mas também a sua reduzida margem de manobra.
Neste esquema, ficou patente a preocupação de não penalizar a execução orçamental de 2015, porque os acertos com os contribuintes são feitos em 2016. O propósito de fazer a ponte com o CDS e “salvar a face” de Paulo Portas, mas sem reduzir receitas essenciais ao objetivo de 2,5% de défice a que o Governo se comprometeu com Bruxelas. E a preocupação de transmitir uma imagem de recusa de medidas eleitoralistas… embora deixando a porta aberta para distribuir benesses nas vésperas das legislativas. E quem irá determinar – já com eleições à vista – o que é ganho de combate à evasão fiscal, senão o próprio Governo?
Uma história de copo meio cheio meio vazio. E também de muito tricot. A verdade é que à entrada do último ano desta legislatura, continuamos a marcar passo. O desequilíbrio das contas públicas está “estancado”, mas Portugal continua a ser visto como um problema. Porque a despesa pública, do ponto de vista estrutural, e depois de um aperto fiscal sem precedentes, continua a ser um problema adiado e insustentável. Porque a consolidação orçamental continua a fazer-se pelo lado das receitas fiscais, com prejuízo claro para o crescimento económico. Porque a economia nacional, pese embora a profunda “reestruturação” a que foi sujeita, não dá provas de ter ganho a competitividade de que necessita para sair do buraco onde está.
A dívida pública e privada atinge uma proporção impensável. A situação do tecido económico é dramática, o setor bancário inspira receios, o ambiente geral não é convidativo ao investimento estrangeiro – exceto no que diz respeito à compra de empresas emblemáticas do País, ou ao que resta delas. O desemprego dá sinais de recuar, mas todos nós sabemos à custa de quê: imigração em larga escala e exclusão “administrativa” da colocação de inúmeros inativos nas listas oficiais de desemprego.Um “desconcerto” agravado pelo enquadramento de uma Europa sem chama e que não se entende. De onde nos começam a chegar críticas pela nossa incapacidade de desenhar estratégias de crescimento. Mas de onde continuam também a vir recados para maior consolidação das contas públicas – e, por muito estranho que pareça, para que continuemos a aplicar mais impostos. Mesmo com todos os riscos que ameaçam a economia portuguesa, o défice continua no centro das preocupações de Bruxelas. E este é um recado que o Governo continuará a ouvir.
A boa nova deste orçamento poderá muito bem ser a redução do IRS para as famílias com filhos. O fisco deixa de olhar apenas ao rendimento do agregado, passando a atender também ao número de pessoas que esse rendimento sustenta. O que significa que o apuramento do rendimento “por cabeça” passará a ser um passo determinante para a fixação do IRS a pagar. Mas, mais uma vez, o Governo procurará introduzir esta justiça fiscal sem perder receita. E esse contrapeso será, ao que parece, dado pelo aumento da chamada tributação verde – seguindo, mais uma vez, as recomendações de Bruxelas.
O “crescimento verde” é hoje encarado como um eixo fundamental do desenvolvimento económico. E a fiscalidade verde deve servir dois propósitos distintos, embora convergentes no seu fim: combater o desperdício, a poluição e o uso excessivo de recursos naturais, sem dúvida, mas também estimular a economia “limpa”, eficiente e sustentável. O que significa, do ponto de vista da política tributária, penalizar com mais impostos, mas também estimular com mais benefícios fiscais.
Esperemos que este negócio de “IRS por impostos verdes” não se fique apenas pela componente punitiva que garante receitas imediatas, deitando por terra a trajetória “verde” que este Governo, em boa hora, resolveu retomar, depois de a ter erradamente enterrado na ressaca “socrática”. Num bom Orçamento, não basta o equilíbrio entre custos e receitas. Não basta fazer tricot e deixar o tempo passar. É preciso política, estratégia de crescimento, um espaço de esperança. E isso, até ver, continua a faltar.