Frases do dia
“Até aqui estava tudo muito lindo…” – Júlio César, guarda-redes brasileiro
“Só queria ver o meu povo sorrir, ver o Brasil sorrir pelo menos por causa do futebol” – David Luiz, defesa brasileiro
“Se para algo servir o massacre, que seja para passarmos a acreditar menos na mágica e mais no trabalho, no treino, no planejamento, enfim nessa coisa chata chamada realidade”. – António Prata, cronista
Eu acredito
Antes do jogo da meia-final, grassava pelo Rio de Janeiro o otimismo verde e amarelo que toma conta do país a cada Copa do Mundo. Havia um sentimento de crença nas possibilidades grandiosas do futebol brasileiro – afinal, basta olhar para a sua história, são cinco títulos mundiais. Mas, como acontece amiúde aos apaixonados e exagerados, os adeptos da seleção padeciam da falta de realismo. No fundo, sabiam que iria ser difícil bater a Alemanha e que, tendo em conta o grupo de jogadores disponíveis e as decisões do treinador Felipão, estar numa meia-final já era um bom prémio para o Brasil. Mas, a jogar em casa, com tanta festa, tanto choro e tanta emoção (sabendo-se que neste país a emoção é tão imprescindível para conservar o estilo de vida como a cerveja bem gelada), tudo valia para manter viva a fé na vitória. Acreditar, às vezes, não chega. Que o digam todos os profetas que decretam terramotos ou o fim do mundo. A ilusão foi insuficiente. E, como se diz aqui, deu ruim.
Rituais, mezinhas e bênçãos
O Brasil é um lugar místico, espiritual, religioso, onde muitas vezes a esperança reside nas mãos de deus. Como, ao longo dos anos, se tem feito crer que deus é brasileiro, é agora bastante comum confiar nessa evidência incontestável como solução para todos os problemas – entre eles, resolver uma partida de futebol com os alemães. Se deus pode fazer, e bem, então o homem pode recostar-se e, simplesmente, acreditar.
Por vezes (isso já acontecera quando Felipão treinou Portugal) dá a ideia de que a fé e a espiritualidade – por serem transcendentes, logo especiais, como o próprio Brasil – servem para substituir o talento, o treino, a aplicação e o engenho. Não se trata de questionar as crenças de cada um, mas sim de constatar que Felipão passa mais tempo a explorar o potencial de rituais, simbolismos e narrativas exteriores ao futebol (os árbitros, a Fifa, os estrangeiros inimigos, os jornalistas que não o apoiam) do que a preparar técnica e taticamente a equipa – como se ainda fosse possível enganar os indígenas com a magia do fogo. Ou, como titulava um cronista: “É, Felipão, um dia a sorte tira folga”.
O cataclismo
Cinco golos sofridos na primeira meia hora, sendo que quatro desses tentos foram marcados em seis minutos. A maior goleada sofrida por uma seleção anfitriã. A maior goleada sofrida por uma seleção campeão do mundo. A maior goleada sofrida pela seleção brasileira em cem anos de história – antes, perdera 6-0 com o Uruguai, em 1920. A Alemanha ultrapassou o Brasil em golos marcados em Copas do Mundo. Klose ultrapassou Ronaldo como melhor marcador em Copas do Mundo (16 golos). São muitos números negativos, ainda assim, jamais serão capazes de ilustrar o choque e o desnorte do Brasil em grande parte do jogo. Fred, cuja condição catatónica foi várias vezes comparada, ao longo do torneio, com a imobilidade de um cone de trânsito, movia-se ontem pelo campo de olhos tão espantados e abertos que parecia ter levado um choque. O seu deslocamento acachapante dava a ideia de que, tal como na série “Quantum Leap”, alguém o tinha sequestrado da sua vida mundana e o tivesse despejado numa semi-final da Copa sem que ele pudesse explicar o como e o porquê.
Os meninos e as meninas
Ontem, em todo o Brasil, milhões de crianças perderam um pedaço da sua inocência e choraram mais do que Thiago Silva. Miúdos e miúdas, tão felizes e empolgados com esta Copa, soluçavam a sua primeira grande desilusão. O transtorno foi tal que televisões e jornais fizeram várias peças explicando como se deve lidar com as consequências do desapontamento entre as crianças. Nada de comprar presentes ou gelados. Esta é uma boa oportunidade para os pequenos aprenderem a enfrentar as frustrações e a descobrir que a vida tem percalços e derrotas. Sim, vamos aproveitar para formar os adultos fortes de amanhã. Mas, ainda assim, deve ser de partir o coração ouvir, como aconteceu na Lagoa, no Rio, uma filha pedir ao pai, enquanto chorava devastadoramente: “Papai, por favor, peça para os alemães pararem de fazer gol”.
Vergonha & humilhação? Mas você nem calçou as chuteiras.
Fui comprar pão depois do jogo e senhora da padaria, colocando as mãos na cara, dizia-me: “Que vergonha, só quero ir para casa”. Na manhã após o jogo, o senhor Francisco do quiosque (surpreendentemente – ou em protesto – vestindo uma camisola da Argentina), voltou a usar a palavra “vergonha”, mas acrescentou-lhe “humilhação”. Percebi, depois de conversar com algumas pessoas – e basta ler os jornais para confirmar – que é a vergonha da derrota, em casa, por sete, que mais fustiga os brasileiros.
Tentei dizer à senhora da padaria que a prestação do Brasil na Copa não dependia dela (que vendia pão, não jogava futebol) e que, por isso, não deveria ficar tão melindrada. O seu mérito e o seu valor não podiam ser afetados por causa de uma partida de futebol, e o brio e capacidades do seu país tampouco.
Mas era difícil, porque o futebol tem esta capacidade de transferir sentimentos – o sucesso de uma seleção é nosso, mas o fracasso também -, e porque no Brasil o futebol é deveras parte da identidade nacional. O brasileiro ama o futebol como parte de si próprio, daquilo que ele é, e porque, apesar de tantas dificuldades, desigualdades e filhas da putice, este país sempre se destacou no futebol, oferecendo motivos de felicidade e orgulho. É apenas normal que uma derrota de 7-1 pareça, nos primeiros momentos, um genocídio familiar, que seja uma prova de desmerecimento, uma humilhação em praça pública diante dos outros meninos que, além de rivais, vão certamente zombar de nós para sempre.
Aproveitando a lucidez e distância de não ser brasileiro nesta hora triste, disse à senhora da padaria que se tratava apenas de um jogo de futebol, que o Brasil era mais do que uma semi-final, que dentro de uns dias estaria tudo bem. Ela olhou para mim como se eu fosse incapaz de perceber a sua dor e, pior, estivesse a agravá-la com o meu desprendimento de gringo que não sabe – e provavelmente nunca saberá – o que é ganhar uma Copa do Mundo.
Afinal o Brasil veio, mas fala alemão
Ficaram numa praia isolada da Bahia, mas misturaram-se com os brasileiros como nenhuma outra seleção. Confraternizaram com índios, escolheram um equipamento igual ao do Flamengo como segunda opção para os jogos, vestiram a camisola e cantaram o hino do Bahia, torceram pelo Brasil durante todo o torneio, fizeram um videoclip com a música de Tieta, desfrutaram do calor e comportaram-se com ginga e malemolência. Foram tocados pela leveza dos trópicos e pela alegria deste país. Ontem, o efeito Brasil deu resultado na seleção Alemanha. Na grande área de Júlio César, mais do que uma vez, os alemães trocaram a bola, antes de marcar mais um golo, como se estivessem numa pelada de praia. Só faltou o churrasquinho.
O brasileirão e eleições, não, por favor
Com a aproximação do final do Campeonato do Mundo tenho ouvido muitas, mas mesmo muitas vezes, dois lamentos: vem aí o campeonato brasileiro e as eleições presidenciais. Tanto um evento como outro, presumo, mostram a tristeza com o regresso aos dias de sempre e a inevitabilidade do confronto com a realidade brasileira: maus jogos, maus dirigentes, maus políticos, maroscas, complôs, trocas de favores, ganância, populismo eleitoral, cara de pau, e essa sensação asfixiante de que passam as Copas, mas o país regressa sempre ao local de partida.
Os hermanos
O Brasil não quer jogar com a Argentina. Já não queria na final – perder com os principais rivais, em casa, assustava a torcida. Mas disputar o triste jogo para apurar o terceiro posto, depois de uma goleada, com a Argentina, também não é algo que faça bem ao estado febril e pálido da autoestima brasileira. Uma partida Brasil – Holanda caía melhor entre os adeptos, mas pensar que a Argentina pode ser campeã do mundo no Maracanã, vencendo a equipa que deu 7-1 ao anfitrião, também não é uma fantasia muito apetecida.