Uma sondagem jornal i/Pitagórica, publicada no início da semana, revelou que os portugueses consideram os políticos da ditadura mais honestos e mais preparados para governar que os dirigentes atuais. Não sei se isto se passa no resto do mundo, mas, entre nós, o “antes” tem sempre um travo melhor que o agora, mesmo quando se compara ditadura com democracia e se dá de barato que o País evoluiu, e muito, para melhor.
É verdade que o ambiente que se vive atualmente não ajuda, quando se trata de comparações com outros tempos, e que as pessoas tendem a esquecer-se do quão atrasado era o País, não só do ponto de vista económico como, sobretudo, no plano social. E também é certo que os líderes dos nossos dias têm de gerir um problema (felizmente irresolúvel) que torna a arte de governar bem mais difícil do que então: a igualdade ou mesmo a supremacia intelectual da esmagadora maioria dos governados.
Já não há, nas sociedades modernas e democráticas, espaço para lideranças embriagantes. Estas estão reservadas para outros locais do mundo, são em número cada vez menor e, de “espontâneas” também têm cada vez menos. Em democracia, já só há lugar para reformas. Grandes batalhas, só resta uma por travar: a da reforma da própria democracia, regime político colado ao sistema capitalista ocidental, e essa é uma coisa que parece estar longe de acontecer e que ninguém sabe como se faz.
A geração de políticos do pós-25 de Abril entusiasmou multidões enquanto teve alguma coisa de especial por se bater: a escolha, desde logo, entre um dos dois lados do mundo, as democracias ocidentais ou o comunismo do centro e leste europeu. E, depois, o desafio da entrada na Comunidade Europeia, o sonho de pertencer ao maravilhoso clube dos mais desenvolvidos do mundo, do ponto de vista não apenas económico mas também social, cultural, político, filosófico. Foram desafios enormes e verificaram-se conquistas extraordinárias. Feitos que, passados 40 anos, tendemos a desvalorizar, esquecendo o salto que demos, de Estado mal tolerado pela comunidade internacional, isolado no seu cantinho da Europa e concentrado numa guerra colonial e num império impossíveis de manter, para um dos países que, apesar de todos os seus problemas atuais, está no grupo dos melhores do mundo em todos os indicadores que medem o desenvolvimento económico e social e o respeito pelas liberdades e direitos individuais.
Hoje, os Churchill já vão bem longe, pertencem à História dos nossos pais, avós e mesmo bisavós. Já não há espaço para sonhadores como Jacques Delors, que conseguiu trazer ao de cima o que de melhor a Europa alguma vez teve. E também já não parece ser possível igualar figuras da nossa História recente, que, com amores e ódios, galvanizaram multidões, como Soares, Sá Carneiro, Cunhal ou mesmo Cavaco Silva (o de antigamente). E este é um dos principais dramas do nosso tempo: a democracia mata os sonhos à medida que os concretiza e se realiza. Torna os desafios cada vez mais pequeninos, mais insignificantes.
Portugal encontra-se nesta fase em que não é fácil ser líder. Nem no Governo nem na oposição. Ninguém parece ter o carisma certo e necessário para acabar com a podridão do sucesso. É isto que justifica os mil e um livros sobre Salazar, ou sondagens (como a já citada) onde se pergunta se as pessoas acreditam que as Forças Armadas podem promover hoje, altura em que se celebram os 40 anos do 25 de Abril, uma nova revolução. E onde 31,5% respondem que sim (contra 58,6% que dizem que não), verbalizando um desejo que se “sente no ar”, quando a Associação 25 de Abril troca galhardetes com o poder político (que, também aqui, mostra a sua grande inépcia para lidar com o crescente descontentamento popular), os militares se manifestam na rua e os generais “desatam” a assinar petições públicas.
Portugal, embora em crise, está igual a esta Europa gorda e bem sucedida, cega à sua decadência: mesquinho, pequenino, a discutir tostões e a ignorar coisas básicas que voltaram a ter importância, como o desemprego, o empobrecimento galopante da sociedade e a própria existência de fome, que atinge cada vez mais pessoas, à boa maneira do terceiro mundo e em negação clara dos valores que definem a própria Europa. Num processo de declínio inegável, onde não é fácil fugir às mil e uma armadilhas colocadas pela mecânica do dinheiro fácil e rápido, do consumo desmedido, das eleições que aí vêm, da lógica do poder assente em coisas imediatas, que já nada têm a ver com os sonhos mobilizadores de outros tempos. E, pior, sem ter o dinheiro que tudo faz funcionar e dá consistência ao sistema, seja nos negócios seja na proteção social.
É verdade que é difícil ser líder quando falta o dinheiro e não há revoluções para fazer. Mas também é preciso ter uma grande miopia política para não ver que, passados 40 anos de democracia, continuam a existir muitas coisas que nos devem envergonhar e que podem ser combates mobilizadores para toda a sociedade. E em defesa de uma democracia que, dispensando salazares e novas revoluções, a esmagadora maioria de nós não quer perder.