Dilma Rousseff regressou a Lisboa com a promessa de relações comerciais e económicas reforçadas entre Portugal e o Brasil. Foi a segunda vez que a Presidente brasileira veio ao nosso país e ficou já acertada a próxima cimeira entre os dois Estados, em 2014. Dilma agradeceu a presença em solo português, no Dia de Portugal e por ocasião do fim das comemorações do Ano do Brasil em Portugal e do Ano de Portugal no Brasil, provas de “quão fortes são os nossos vínculos”. As relações entre os dois países parecem andar melhor do que de costume, mas a Presidente exagera, manifestamente. Portugal continua demasiado longe do Brasil, e Brasília mais longe ainda de Lisboa.
Segundo o texto final desta XI Cimeira, os dois países pretendem reforçar os níveis de investimento recíproco e de cooperação nas mais diversas áreas, não apenas económicas mas também culturais, científicas e tecnológicas. Energia e recursos naturais são dois setores a privilegiar, assim como a agricultura. Uma nova lufada de “abertura” que poderá ter um importante marco a assinalá-la, uma política de levantamento dos históricos entraves burocráticos à mobilidade profissional entre os dois países e de mais fácil concessão recíproca de vistos de trabalho. Arquitetos e engenheiros, portugueses e brasileiros, veem agora os seus cursos reconhecidos no outro país. Um acordo que poderá ser muito interessante, sobretudo para os engenheiros portugueses, já que o Brasil tem um défice enorme no volume de formação de profissionais desta área, manifestamente inferior às necessidades do seu mercado. Mas a impossibilidade de estender este reconhecimento de cursos aos médicos, matéria em que o Brasil terá feiro marcha atrás, mostra que ainda existem várias “pedras no sapato” das relações luso-brasileiras.
Esta visita de Dilma matou, também, as ilusões de quem esperava o fim do novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa por recuo do Brasil. Os dois Estados reiteraram a importância que atribuem à plena aplicação da nova ortografia no espaço da lusofonia, uma meta fundamental para o objetivo de afirmação de todos os membros da CPLP no contexto internacional.
E foi também a pensar no posicionamento comum, no seio da comunidade internacional que Portugal e o Brasil fazem uma declaração conjunta de grande importância estratégica, ao defenderem um acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. Não é só o futuro de Portugal que passa pelas Américas, é também o futuro da União Europeia.
Os dois países deram passos importantes, mas ainda têm muito mar por vencer caso queiram, de facto, colocar no terreno as declarações e acordos políticos que vão fazendo ao longo dos tempos.
“Apesar da austeridade, famílias em risco de pobreza, grande desemprego, vale a pena sublinhar que se mantém a coesão nacional, que não há desestruturação social no nosso país”, disse o Presidente, numa entrevista à RTP. O 10 de Junho é dia de mobilização e de apelo à unidade nacional, mas esses objetivos não se podem confundir com alheamento da realidade social e política.
Não sei que outra coisa significa, além de desagregação social, um “grande desemprego e famílias em risco de pobreza”. Mas é necessário dizer que não existe apenas “risco” de pobreza. Existe uma pobreza real, efetiva e crescente, na sociedade portuguesa, espelho de um desemprego galopante que marginaliza parcelas cada vez mais extensas da população portuguesa, agora remetidas a níveis de rendimento manifestamente insuficientes ou inexistentes.
Sucedem-se os “planos de reestruturação” de empresas agonizantes; aumenta dramaticamente o número de famílias que retiram os seus filhos da escola, por incapacidade financeira para os lá manter, mesmo no ensino público; multiplicam-se os casos de avós que têm de voltar a sustentar filhos, entretanto caídos prematuramente num desemprego de longa duração e, muitas vezes, já acompanhados dos seus próprios filhos, também vítimas de um mercado de trabalho que nunca existiu para eles. A entrega de casas aos bancos continua em alta, colocando um ponto final em décadas de esforço e de poupança, matando os sonhos de uma vida que o próprio Cavaco Silva, em tempos, enquanto primeiro-ministro, tanto incentivou. E a sopa dos pobres, cenário que voltou a marcar, todos os dias, as ruas das nossas cidades, é a prova final e inequívoca de que essa desagregação social está aí, à vista de toda a gente.
Se tudo isto não é uma sociedade em desagregação, o que é, então? Se o Presidente não vê o que se passa à sua volta, quem o verá? Onde está o Cavaco Silva que começou o seu primeiro mandato com um “Roteiro para a Inclusão Social”? Longe vão esses tempos. Já não é de um plano de inclusão que o País necessita. Do que o País hoje precisa é de um verdadeiro plano de emergência social. Enquanto a Presidência não vir a realidade que o cerca, terá, como mostram os inquéritos de popularidade, um mar cada vez maior a afastá-lo do seu povo.