O Governo avançou com novas propostas de reforma da Função Pública, a mais importante das quais o novo regime de despedimentos, que passa agora a dar direito a indemnização – nos mesmos termos da que é atribuída por lei aos trabalhadores do setor privado -, findo o eufemisticamente chamado “regime de requalificação” (herdado do anterior, e também eufemístico, sistema de mobilidade especial). É mais uma medida avulsa, que se junta a muitas outras, já existentes ou que existirão “já amanhã”, em matéria de despedimentos, reduções de salário, descontos para saúde e para reformas, horários de trabalho, etc. Fazer a reforma da Administração Pública não é tarefa fácil. E, sejamos honestos, também é difícil encontrar um sindicato dos trabalhadores do Estado que dê de barato os direitos dos seus associados, mesmo nos casos em que tais direitos surgem aos olhos do cidadão comum como uma coisa difícil de entender – e, muitas vez, difícil também de aceitar, porque não só não encontram paralelo no setor privado como não têm também outra razão aparente que os justifique para além da simples força negocial.
Dito isto, também não se entende a forma como o Executivo gere este dossier da reforma do Estado. Anúncios a conta-gotas, com inversões permanentes de caminho, e que se contradizem muitas vezes uns aos outros, não parecem ser a melhor maneira de se negociar com quem quer que seja.
Mesmo que se admita que este clima de receio generalizado “faz parte” das regras do jogo, do “pacote” de ações que o Governo tem em carteira para conseguir concretizar esta difícil reforma, é preciso que tenha o bom senso de não ultrapassar limites. O da razoabilidade das suas propostas, desde logo. Mas também o da decência, o do respeito pelas pessoas, o do diálogo social, o da transparência e da verdade. Quando se desrespeita tudo isto, mesmo que por simples inabilidade, o caminho fica demasiado estreito. E já nem o medo o consegue manter desimpedido.
Portugal não tem dinheiro para pagar o funcionamento deste Estado, que consome uma percentagem brutal dos seus recursos em salários e outro tipo de responsabilidades com os seus funcionários e pensionistas.
De quem é a culpa de termos chegado até aqui? De quase todos. Dos vários governos e dos vários partidos, porque se há matéria em que todas as forças partidárias têm responsabilidades claras é nesta. No governo e na oposição – uns dando benesses para se manterem no poder, outros apoiando reivindicações para tentarem conquistar simpatias e esse mesmo poder – , todos foram cúmplices desta engorda imparável da fatura do Estado. E, claro, também os sindicatos, que (e haverá sempre quem acrescente “por natureza das coisas”) nunca quiseram saber da sustentabilidade e das consequências das suas propostas reivindicativas.
Sejamos honestos: não era apenas Medina Carreira que o sabia e que o dizia nas câmaras da televisão. Todos nós já o sabíamos há muitos anos, embora, olhando para o que os governos fizeram ao longo do tempo, sempre tenhamos feito o possível (e o impossível) por ignorar esse problema. E quantas vezes foi ele agravado de forma populista e leviana…
Como de costume, tivemos de bater na parede para começarmos a mudar as coisas. E, como de costume também, estamos a fazer as mudanças quando elas são mais difíceis de realizar. Mas já basta que o tenhamos de fazer. Já chega que, pela natureza das coisas, o Governo tenha de estar a pedir – ou a impor – aos funcionários públicos que abdiquem de um conjunto de direitos, ou de benesses, a que têm tido direito, a que se habituaram e, mais importante, que moldaram também as suas opções de vida e as responsabilidades que assumiram perante terceiros.
Não é necessário somar a tudo isto uma conversa desconexa que propõe um regime de despedimento sem falar dos dias de indemnização, ou do tempo de subsídio de desemprego, que serão consagrados. Uma conversa pouco séria que propõe um sistema gradual de “desvinculação” do Estado sem dizer de forma clara os cortes de salários serão aplicados aos trabalhadores que entram nessa fase de “requalificação”.
Já basta os funcionários públicos terem pela frente um difícil cenário para gerir. Não é necessário juntar a tudo isto mais angústia, mais incerteza e mais medo. Seja por inépcia ou pura má fé política.