O mundo vive embasbacado pelo consenso político que se vive em Portugal. Elogiam-no os carrascos da troika, exaltam-no as agências de rating, extasia-se a nomenclatura da União. Ainda esta semana, em entrevista ao Público, Viviane Reding, comissária e vice-presidente da Comissão Europeia, foi eloquente sobre essa surpreendente originalidade: “Portugal está a fazer uma coisa historicamente incrível. Num período de crise nacional, encontra a força para o consenso político.” E vai mais longe: “É admirável e é um exemplo. E estou aqui para dizer: estamos a ver o que vocês estão a fazer, têm o nosso apoio, não estão sozinhos.” Elucidativo.
Tanta atenção da Europa ao nosso processo político interno pode induzir em erro, fazendo os mais ingénuos pensarem que aquela gente nutre um sincero carinho por nós e uma genuína preocupação com o nosso destino. Só que as coisas não são bem assim. É o Governo, sobretudo Passos Coelho e Victor Gaspar, que não se cansa de divulgar lá fora esse amplo consenso partidário em torno do programa da troika, por saber da importância desse trunfo junto dos credores. O raciocínio é simples: se o principal partido da oposição está dentro do acordo, há mais garantias do pagamento da dívida, pois quem pode ir para o Governo está envolvido no compromisso.
Além de lhe propiciar uma boa imagem externa, este consenso com o PS traz ainda ao primeiro-ministro uma vantagem, essa sim, decisiva, do ponto de vista interno: a paz social. Perante tudo isto, seria natural que Passos Coelho cuidasse desta relação com o PS com o desvelo do jardineiro perante a sua flor mais delicada e que elegesse a sua conservação como prioridade absoluta na atual conjuntura. Além do mais, a situação favorece um envolvimento mais sólido com António José Seguro. Eleito secretário-geral após uma das maiores derrotas eleitorais do PS, prisioneiro de um acordo que não negociou e mal amado por grande parte de um grupo parlamentar que não escolheu, parecia que a História só reservaria a Seguro o ingrato papel de líder de transição, com a ironia de ter de cumprir o guião pré-definido pela figura com que provavelmente menos se identifica no partido, José Sócrates. Ninguém se deteve a pensar que quem conseguiu resistir a quase sete anos de Sócrates, praticamente isolado e com uma maioria absoluta pelo meio, não anda na política para ser abatido, pelo menos sem dar luta. É o que Seguro tem estado a fazer. Com mais ou menos dificuldades, foi ultrapassando os tumultos partidários e nunca cedeu a apelos para políticas de terra queimada. Ele percebeu que qualquer precipitação na quebra do compromisso do PS com a troika lhe pode ser fatal, em termos de credibilidade interna e externa, além de dar trunfos ao Governo para se vitimizar. Para já, tem-se limitado a aproveitar todo o capital de queixa que a atual maioria lhe tem dado, quando não informa, não consulta, nem negoceia com o PS matérias fundamentais, como ainda agora aconteceu com o documento de estratégia orçamental. Ver-se-á quando e de que forma António José Seguro vai passar à ofensiva, mas já se percebeu que o anúncio da sua morte foi ligeiramente exagerado. Quanto a Passos Coelho, está a mostrar que é um péssimo jardineiro e corre o risco de vir a ser surpreendido por um adversário que claramente subestimou.