A notícia surgiu esta semana com a inevitabilidade das chuvas de outono: a despesa do Estado continua a aumentar, a dívida continua a disparar, o défice dificilmente se aguenta nos (pouco ambiciosos) 7,3% previstos pelo Governo. Ou seja, como há muito tempo vem escrito nos augúrios, e como alguns adivinhos rezingões (estou a lembrar-me de Medina Carreira) previram, o FMI está a um passo de colocar a sua asfixiante pata em Portugal. Ao mesmo tempo, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, continua a marchar, imparável como um inseto, direito ao para-brisas de um camião, afirmando que Portugal cumprirá este ano o défice previsto e todos os requisitos do PEC. Não se percebe como. E o ministro das Obras Públicas, António Mendonça, ao mesmo tempo que anula o concurso do troço do TGV Lisboa-Poceirão, reafirma a exequibilidade do projeto, de que, jura ele, o Governo não desistiu. Não sei, sinceramente, qual dos dois governantes se parece mais com o antigo ministro da Informação do Iraque que, em 2003, com as tropas americanas a invadirem Bagdade, ainda proclamava não só a vitória como a chacina completa do inimigo. Olhem o que lhe aconteceu…
A propósito do TGV, vale a pena determo-nos um pouco mais neste triste episódio do troço do Poceirão: o Governo partiu para o concurso contra tudo e contra todos, mais do que avisado por amigos e inimigos – e não sei bem em qual dos grupos hei de incluir uma das vozes céticas, a de Cavaco Silva, justiça se lhe faça. Mesmo assim, o Governo insistiu. Sabia, como sabe hoje, que o crédito estava numa fase de “gota a gota” e que o financiamento para as grandes obras seria extremamente difícil de conseguir. Sabia, como sabe hoje, que o País estava endividado e até lançou este concurso numa semana em que uma das agências de notação financeira havia baixado o rating da República – numa decisão que teve todo o aspeto de bravata contra os analistas financeiros internacionais. Agora, a saída de cordeiro: meses depois, o concurso é anulado. Nada disto seria assim tão grave – mau grado o tempo e a energia gastos nestas coisas, as despesas que elas acarretam, a incompetência que sobra destas decisões e que salta à vista terem sido erradas no próprio momento em que eram tomadas – se não se desse o caso de, agora, provavelmente, ser preciso indemnizar os consórcios que foram a concurso, com uma verba que poderá atingir os 100 milhões de euros.
Eu, contribuinte, pergunto: onde vai o Estado buscar estes 100 milhões, partindo do princípio que o pagante de impostos nada tem a ver com os delírios descritos? Quem se responsabiliza pelo fiasco da operação? Quem encosta a barriga ao balcão e assume a despesa? Quem será responsabilizado, se for preciso, judicialmente, pela gestão danosa da coisa pública? E quem nos explica por que razão as grandes obras – e o TGV, cuja necessidade nem sequer contesto… – eram ontem o grande remédio para todos os males e hoje, sem que nada tivesse mudado, são uma despesa inoportuna?
Quem nos poderia dar as explicações há de desaparecer pelas vielas de Bagdade, enquanto as forças americanas do FMI entram, predadoras, pela nossa cidade.