Até há poucas semanas, Passos Coelho era uma espécie de wonder boy para o PS. Chegado à chefia do maior partido da oposição, fez tábua rasa de convicções e promessas, como não aumentar impostos ou diminuir a despesa do Estado, e apressou-se a amparar, carinhosamente, um governo e um primeiro-ministro à beira do precipício. E foi tão rápido que, de um dia para o outro, o País percebeu que havia um acordo entre PS e PSD. A crise, o défice e as agências de rating explicaram a urgência da entente, o “alto sentido de responsabilidade” do novo líder social-democrata servia para justificar a reviravolta no rumo traçado pelo próprio Passos Coelho, na sua campanha para a chefia do partido. Sócrates & cia. não pouparam elogios ao recém-chegado.
Ninguém conhece verdadeiramente a natureza do acordo entre os dois partidos (às vezes até parece que os próprios também não), nem nenhum deles alguma vez mostrou interesse em revelá-lo, o que não deixa de ser extraordinário, dada a importância do que está em jogo. Mas conhecem-se os efeitos demolidores que as medidas provocam na vida de milhões de portugueses.
Qualquer observador percebe, também, que o PSD de Passos Coelho ficará para sempre ligado a esses efeitos e que não pode esquivar-se à respetiva corresponsabilização, trapalhadas do Governo incluídas, por não ter sabido acautelar as balizas do seu entendimento com os socialistas. A prazo, tudo vai ser pago e com juros elevados mas, para já, os sociais-democratas têm capitalizado, sobretudo porque, aparentemente, os portugueses querem qualquer um menos Sócrates. Mas este não desarma, mesmo moribundo. As sondagens, demolidoras, sinalizam já um outro tempo e o calendário eleitoral exige outras companhias e outro discurso, mesmo que o primeiro–ministro contradiga em absoluto o que disse e fez há meia dúzia de dias. Minudências que nunca inibiram o atual chefe do Governo. Esquecido das virtudes e do “sentido de Estado” de Passos, Sócrates investe contra o aliado de há pouco, agora mascarado de perigoso neoliberal, execrado por todos quantos no PS o incensavam publicamente.
De momento, o mais conveniente é parecer de esquerda e é isso que Sócrates vai ser nos próximos meses… Com toda a convicção! Antes das presidenciais e quando a perspetiva é andar por perto de Louçã e conviver com tantos de quem tantas vezes fez questão de se distanciar, eis o primeiro-ministro mais plástico e mais de plástico de que há memória a transformar-se subitamente no cavaleiro andante capaz de salvar o País do neoliberalismo selvagem, seja lá o que isso for.
O chefe do Executivo que, como conta a última edição do Expresso, podia estar agora a governar com Paulo Portas (e lá tinha ido para as urtigas o casamento gay, a flor de esquerda da legislatura); que tem na forja um plano de privatizações tão extenso como o do PSD e que só não avançou porque os tempos não estão de feição para bons negócios; que não hesita em esbulhar os contribuintes de qualquer condição social é esta figura que se propõe defender o Estado Social e as virtudes da esquerda. Palavras, para quê?