No tempo da outra senhora, os comunistas eram acusados de “comer criancinhas ao pequeno-almoço”. A hipérbole parece aplicar-se, agora, ao Clero. O colunista católico João César das Neves clama que a Páscoa decorreu sob o lema do “crucificai-o” - ao Papa - tal como há 2 mil anos aconteceu com Cristo. É grande, para o Vaticano, a tentação de falar em “perseguição”: os números comprovam que a incidência de práticas pedófilas é muito superior noutras áreas de actividade, que lidam com menores, e minoritária em celibatários. Afinal, se alguns treinadores ou professores cometem actos de pedofilia, ninguém se lembrará de culpar a classe dos treinadores ou dos professores. Do mesmo modo, se se souber que uns pediatras tiveram práticas pedófilas, ninguém se lembrará de culpar a classe médica, ou de interpor um processo contra o bastonário da Ordem dos Médicos, por encobrimento. O bastonário não é polícia. O Papa também não. A Igreja não tem, pois, de sentir complexos.
Seria estranho, no entanto, que, sabendo dos factos, o bastonário não expulsasse da Ordem os médicos prevaricadores: quebraram a deontologia. É, por isso, incompreensível que a hierarquia católica não retire as suas maçãs podres do cesto: quebraram os votos. Com a tímida excepção, em Portugal, de D. José Policarpo - que se lembrou das virtudes cristãs do arrependimento e da humildade… - a estratégia da Igreja é totalmente desastrosa. Vejamos
porquê:
A Igreja esquece a virtude da humildade. A Igreja despreza as lições do arrependimento. A Igreja substitui a graça do perdão pelo pecado do encobrimento. A Igreja contradiz os seus ensinamentos, mostrando-se, primeiro, acossada, depois desorientada e, por fim, vítima.
E não devia sentir-se acossada: se a Igreja prega que o pecado existe, a pedofilia, revelada no seu seio é a confirmação da sua própria tese. Na perspectiva da Igreja, o mal revela-se até onde menos seria de esperar.
Porque não diz isto?
Devia sentir-se arrependida e mostrar-se pró-activa. Fazer o seu acto de contrição, por ter pecado por actos e omissões. Retirando aos prevaricadores a tentação e afastando-os das comunidades que ofenderam com os seus crimes.
Devia revelar discernimento. Explicar que é feita por homens e, portanto,imperfeita. Solicitar às comunidades cristãs que revelem todos os casos que conheçam, colocando a pressão do lado dos pedófilos. Por fim, ajudar espiritualmente os seus “irmãos extraviados”, perdoar-lhes os pecados, mas colaborar, ao mesmo tempo, com a justiça dos homens, cumprindo a máxima de Jesus: “A César o que é de César.”
A Igreja devia, finalmente, ser totalmente transparente. Mostrar que não deve e não teme. E usar esta provação, presumivelmente enviada por Deus, para melhorar e fortalecer-se.
A prática evidenciada pelo Vaticano não é a de uma igreja, mas a de uma seita. A estratégia de ocultação adoptada por Bento XVI é própria de uma sociedade secreta, vagamente mafiosa. E a impiedade para com as vítimas é chocante. Os católicos decepcionam-se, o anti-Cristo esfrega as mãos. Se o próprio Jesus, do alto da Cruz, olhasse, agora, para o “crucificado” de João César das Neves, ao seu lado, dir-lhe-ia: “Esta noite NÃO estarás comigo no Paraíso.”