Nunca houve tanta gente a escrever e a falar livremente. A internet veio acrescentar aos tradicionais suportes possibilidades infinitas. Não há bicho careta que não tenha um blogue, onde pode dizer tudo. Esta mesma coluna, quando estiver disponível no site da VISÃO, poderá ser comentada livremente por qualquer leitor, em igualdade de circunstâncias, e de espaço, com o articulista. Isso nunca tinha sido possível antes. As manifestações sindicais de 2009 foram das maiores de sempre. Só no PREC (e no período que antecedeu a ditadura de João Franco, no princípio do século XX) encontramos cartazes ou palavras de ordem tão impunemente insultuosas para com os detentores do poder. Contra Sócrates e alguns dos seus ministros choveram invectivas e, até, ovos. E nada aconteceu. É completamente desonesto dizer, portanto, que há um problema de liberdade de expressão dos cidadãos, bloggers, jornalistas ou comentadores. Daí que as audições anunciadas para a Comissão de Ética do Parlamento partam de uma premissa errada.
O problema que se põe, e que é diferente, é o de saber se há ou não há uma tentativa ilegítima de condicionamento de algumas empresas ou órgãos de comunicação social, pelo Governo. Do que este caso precisa, não é de ouvir uns carolas ou uns bufos, nem de um processo judicial, mas de um inquérito parlamentar a sério, como defende o Bloco de Esquerda. Juízes, ou procuradores (aliás não eleitos…) nada têm a ver com isto. Não é um caso de polícia, mas de política. não dá prisão, pode dar demissão.
Em quase dez anos a escrever opinião, nunca me senti pressionado ou condicionado, interna ou externamente. Querem o meu testemunho? Não sinto a minha liberdade de expressão ameaçada. Já recebi reclamações, chamadas, cartas de políticos, incluindo um telefonema irado, para não dizer violento, de um primeiro-ministro, e até fui alvo de um processo judicial (ainda não resolvido). Mas ninguém me viu na praça pública a fazer queixinhas por ter sido “pressionado”, “condicionado” ou “censurado”. Entendi esses episódios como ossos do ofício. Faz parte do trabalho. Os políticos têm toda a legitimidade para criticar os jornalistas. Não sou nada corporativo e encaro isso com fairplay: “Quem vai à guerra, dá e leva”, diziam, nas rixas de recreio, os rapazes da minha geração.
Já nem falo do “plano” de controlo da TVI, em 2009, de que Sócrates agora é suspeito. Plano, aquilo? Parece ter mais ingredientes de um golpe de chico-espertismo. O problema inquietante é outro e mais “estrutural”, se quiserem: é chegarmos à conclusão de que o primeiro-ministro, que se reclama de tão “moderno”, é um tipo antiquado e paroquial, na sua relação com os jornalistas. A sua reacção ao que se diz e escreve não é saudável. Ora, um primeiro-ministro impreparado para os embates do circo mediático é, nas sociedades actuais, um primeiro-ministro impreparado… Ponto.
José Sócrates tem uma atitude terceiro-mundista na interacção com os media, os comentadores, os telejornais – e as televisões, já agora… – só comparável (numa analogia caricatural) com a do seu amigo Hugo Chávez (et pour cause, diz-me com quem andas….). Não admira, assim, que tenha a sua primeira manifestação a la venezuelana, esta sexta-feira, às portas de São Bento. Semeou ventos, colha, agora, as tempestades.