1. Parabéns, caro leitor! Você acaba de contribuir com 14 euros para ajudar as finanças de Angola. Temos de ser uns para os outros. Portugal vai emprestar 140 milhões de euros a Angola. Já estávamos endividados, ficamos um bocadinho mais – dá 14 euros por cada português. Repetimos o acto do estadista de setecentos que, para disfarçar a penúria das finanças nacionais, mandou cobrir meia dúzia de barricas cheias de sal com moedas de ouro e mostrou-as ao diplomata estrangeiro, fazendo-as passar pelo tesouro nacional. O conto do vigário diplomático parece agora virar-se ao contrário. Ninguém sabe se e quando reavemos o dinheiro. Fidalgo falido, Portugal espreme os últimos trocos do porta-moedas e faz figura de rico: na tranche do FMI para Angola, de 2,35 mil milhões de dólares, o nosso país contribui com 200 milhões, tanto como o Brasil. Somos o pelintra a fazer figura em casamento rico: damos uma prenda igual à dos padrinhos e ficamos a pão e água o resto do mês.
Para que quer Angola, país com um crescimento do PIB previsto de dois dígitos, em 2010, produtor de petróleo, Eldorado africano, que compra, em Portugal, mundos e fundos, tantos milhões de dólares, com esta urgência toda? Aparentemente, para evitar uma ruptura de divisas. Em 1892, os credores europeus exigiram ao presidente do Conselho de D. Carlos, José Dias Ferreira, o direito de supervisão sobre as Finanças portuguesas, antes de nos emprestarem mais dinheiro. Obviamente, Portugal recusou essa perda de soberania e preferiu a bancarrota. Ora, os fluxos de créditos para Angola deviam ser acompanhados pelos credores. O percurso do dinheiro e a sua aplicação deviam ser supervisionadas, à imagem da exigência que nos foi apresentada, a nós, no passado.
Percebe-se a intenção. Portugal evita ser totalmente preterido pelos angolanos, nos negócios, a favor dos brasileiros. Com a concorrência acrescida de espanhóis, franceses e chineses, o nosso país tem de fazer das tripas coração e continuar a pagar toda a espécie de “imposto revolucionário” que Luanda volta e meia nos exige. Quem lucra? Para não falar de outros “esquemas”, lucram, por exemplo, a GALP e boa parte da banca nacional. A dependência de Angola obriga a vergar a cerviz. Nós é que não vemos nenhum.
2. Manuel Alegre escolheu um timing estranho para lançar a sua candidatura. Fê-lo quando as atenções mediáticas estavam viradas para o terramoto no Haiti e, internamente, para a discussão do Orçamento do Estado. Alegre sabe que só ganha com o apoio do PS, e, portanto, avança antes que o PS arranje outro. Sabe, ainda, que, depois de apoiar Sócrates, antes das últimas legislativas, o primeiro-ministro lhe deve um favor. Mas sabe, igualmente, que não pode, a partir de agora, atacar o Governo com a verve do costume. Sócrates também sabe isso e, das duas uma: ou prolonga o mais possível o silêncio em torno do apoio do PS, à espera do movimento de Cavaco Silva, mantendo Alegre na expectativa e controlado, ou apoia-o imediatamente a seguir à aprovação do Orçamento, para dar uma piscadela de olho à esquerda (contrabalançando o entendimento com a direita…) e comprometendo, desde já, o candidato. No fundo, Alegre e Sócrates precisam um do outro. E Louçã, que, na ânsia de entalar o PS, se precipitou a apoiar o poeta, terá de esperar sentado que Alegre acompanhe o Bloco, na futura marcação ao Governo socialista. Até porque o apoio bloquista “já cá canta”.