O Presidente da República fala pouco, quando rodeado de câmaras de televisão. Em geral, usa a terceira pessoa do singular. Parece o Jardel: “O Jardel, entrou, o Jardel marcou.” “O Presidente da República não deve pronunciar-se sobre isto, o Presidente da República deve manter reserva sobre aquilo.” E etc…. Desta vez, porém, disse qualquer coisa, sobre os casamentos gay, motivando uma intervenção desproporcionada de um deputado do PS. Com a sua proverbial sabedoria popular, o insuspeito Jerónimo de Sousa foi o primeiro a defender Cavaco. O secretário-geral do PCP disse que as palavras do Presidente poderiam ter sido proferidas “por qualquer de nós”. É que, não bem nestes, mas noutros termos, o Chefe do Estado afivelou aquele seu esgar sorridente (em que os olhos nunca sorriem…) e declarou que se está nas tintas para o casamento gay. Ele poderia ter citado Jorge Sampaio quando, durante o consulado de Durão Barroso – com Manuela Ferreira Leite, nas Finanças -, o seu antecessor considerou haver “vida para além do défice”. Cavaco tem razão: caso o PS não saiba, há vida para além dos casamentos gay. O que é que se espera de um Governo que, até agora, apresentou como única iniciativa legislativa este pacote (para além do Orçamento rectificativo)? E de um PS que, nas jornadas parlamentares, escolhe como prato forte a regionalização – tema que, a discutir-se, será apenas em 2011? Até agora, o Governo modificou a avaliação dos professores, adjudicou o primeiro troço do TGV e confirmou o aumento do salário mínimo. Mínimo, como os serviços mínimos de um Executivo que parece estar à espera de cair, em Agosto, para ver se é desta que recupera a maioria absoluta.
O problema é que, no seu tom sobranceiro, Cavaco quis dizer muito mais: que a polémica da legislação sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo se destina a desviar as atenções dos assuntos que preocupam os portugueses e, logo, que o preocupam a ele. (Aliás, Cavaco não se considera “um político”, classe da qual insiste sempre em pôr-se de fora). O próprio comunicado dominical de Belém, que desmente “intrigas” a propósito do conflito entre o Presidente e o primeiro-ministro, utiliza a mesma expressão sibilina: querem “desviar as atenções”. Mas desviar as atenções de quê? Da má época do Sporting? Do aquecimento global? Do caso Face Oculta? Cavaco não diz.
Ora, esta “desvalorização” da agenda socialista picou o deputado Sérgio Sousa Pinto, que aproveitou para forçar um conflito institucional artificial. Pela sua voz, o PS acusa o PR de estar a “interferir na agenda partidária” e a “exorbitar a sua legitimidade”. Ora, a verdade é que Cavaco, volta e meia, até tem a sua interferenciazinha. Mas não foi o PS, por António Vitorino, que lhe pediu que interviesse, perante o risco da ingovernabilidade? Que interferisse, portanto, no jogo partidário? Talvez alguns responsáveis socialistas devessem fazer como o PR: afinal, em boca fechada não entra mosca.
PS: O presidente do Supremo, Noronha do Nascimento, quer um “órgão com poderes disciplinares efectivos” sobre os jornalistas, composto por representantes da classe e – pasme-se! – outros da estrutura política do Estado (AR?, Governo?). Não sei que exemplos internacionais encontra o magistrado para fundamentar esta mentalidade controleira e policiesca. Nem se percebe a confissão implícita de impotência da Justiça para dirimir, em tribunais comuns, os conflitos que envolvam órgãos de Comunicação Social.