A tribo dos atletas populares funciona como uma espécie de santuário de recuo para José Sócrates. O primeiro-ministro mistura-se no pelotão, faz-se à estrada e, contra todas as probabilidades, é aplaudido. Aconteceu em Viana do Castelo: banho de multidão, fotografias e beijinhos. Quando se calça uns ténis velhos e se mistura a nossa T-shirt desbotada do sol a sol do jogging matinal, e das centenas de lavagens, com as T-shirts dos corredores de fim-de-semana, numa prova popular, passamos a ser um deles. Até o sindicalista mais encarniçado ou o desempregado mais ressabiado com o Governo despe a sua farda contestatária e recebe o primeiro-ministro como um compagnon de route. É verdade que é preciso ter uma certa coragem – e Sócrates tem-na – ou, pelo menos, algum espírito provocatório, para se misturar com o povo numa prova de estrada, nesta altura. Fecho de urgências, desemprego, impostos… E daí? O homem corre connosco. Deus está no meio de nós. É verdade que o ex-primeiro-ministro sueco Olof Palme foi abatido quando, como qualquer cidadão, saía de uma sala de cinema. E que Sócrates corre entre 2500 “patuscos”, no preciso momento em que o País sofre um alerta terrorista. Imagine-se Zapatero a fazer isto. Bem, a verdade é que os espanhóis nunca pegaram os touros de caras. Esse trabalho viril é um exclusivo dos nossos forcados. A corrida presta-se à reflexão. Em que pensa um corredor enquanto as suas pernas devoram quilómetros? Em que ocupará o espírito? Este, talvez na mil vezes anunciada, propalada ou exigida remodelação, por exemplo. Cavaco Silva remodelava de surpresa, “pela calada da noite”, sacrificando os bodes expiatórios mais à mão. Guterres passava noites em claro, na angústia pré-parto das suas numerosas remodelações. Sócrates quer entrar no Guinness com o Governo (quase intacto) mais duradouro. A sua mentalidade e modus faciendi são diferentes daquilo a que estávamos habituados. Os ministros de Cavaco eram ajudantes? Os de Sócrates são executantes. O povo queima a fotografia do ministro da Saúde, nas vilas e aldeias do país, como o de George W. Bush nas manifs da rua árabe? Não interessa: Correia de Campos não tem existência própria, apenas cumpre o programa de uma entidade abstracta chamada Governo. Mário Lino muda de ideias sobre a localização do aeroporto? Pois é Sócrates quem anuncia a decisão. Os ministros são emanações de São Bento. O Governo só tem uma política. A Cultura nunca se queixou de falta de verbas das Finanças. O Ambiente não protesta contra os impactos ambientais das obras públicas. A Educação não tem ciúmes dos computadores distribuídos nas escolas pela Ciência. O Governo é um balneário blindado, um FC do Porto de fato e gravata. Sócrates é um Pinto da Costa. As sondagens aguentam-se, a oposição inexiste… remodelar para quê? As urgências fecham sem que os critérios para o fecho sejam explicados. O desemprego aumenta, apesar dos mais de 100 mil novos empregos. Desconfia-se que a inflação suba para além das previsões, sem que os salários acompanhem. A Economia degrada-se, contra o discurso do oásis. O défice impõe a sua ditadura. Mas a caravana passa. E Sócrates corre… Em vez de correr com ministros esgotados ou desgastados pela longa maratona de quase três anos de Governo. É que não é preciso.
A corrida do Poder
O Governo é um balneário blindado, um FC do Porto de fato e gravata. Sócrates é um Pinto da Costa
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