Aos 73 anos não estava à procura do amor. Já tinha sido casado por três vezes, com dois filhos das minhas relações anteriores, cada um com a vida feita, e estava divorciado há cinco anos. Sabia cozinhar, passar a ferro, tinha os meus hábitos, vivia bem sozinho.
Mas nunca perdi a esperança de um dia deparar com uma pessoa com quem me desse bem. Encontrar a Marta [companheira] foi uma agradabilíssima surpresa. Lembro-me de pensar: “Olha, afinal ainda estou vivo.”
Fomos apresentados por amigos em comum, num encontro muito breve. Achei-a engraçada, mas nunca mais pensei nisso. Dias depois, deparei com o perfil dela no Facebook e, como era Natal, desejei-lhe as boas-festas. Ela retribuiu. A partir desse dia começámos a corresponder-nos por mensagem e, só mais tarde, por telefonemas. Falávamos durante horas sobre o que gostávamos e contávamos, um ao outro, os episódios do dia a dia. Ainda tenho todas essas mensagens guardadas.
A Marta jantava sempre com os dois filhos e, a certa altura, começou a terminar as refeições mais cedo para ir para o quarto falar comigo. Os miúdos achavam piada e diziam que ela parecia uma adolescente escondida no quarto com o telefone.
Tanto falávamos que, um dia, decidimos marcar um jantar – a 15 de agosto de 2019. Quando fui buscá-la a casa, foi como levar um “estaladão”. Ela trazia um vestido branco, e pensei logo: “Que bonitas pernas!”
Fomos jantar ao restaurante Torremar, em Oeiras, e conversámos bastante durante a refeição. Deixei-a em casa à meia-noite, e não aconteceu mais nada, mas fiquei a bater mal da cabeça. Dias depois, ela foi ver a peça Mais Respeito Que Sou Tua Mãe, na qual eu estava a atuar. No final, levei-a ao camarim e, então, demos o primeiro beijo. A partir daí, iniciou-se um namoro com muito mel.
Começámos a namorar no início da pandemia, o que me fez cometer algumas ilegalidades. Apesar de não podermos circular muito, como morávamos em concelhos diferentes e queríamos estar juntos, acabávamos por fazê-lo. Encontrávamo-nos ao fim de semana e, ao domingo, tinha de levá-la a casa pela calada da noite, como um malandro. O amor tem destas coisas.
Contar aos nossos filhos não foi difícil. Os meus gostaram logo da Marta e os dela receberam-me muito bem. Na altura, disseram-lhe: “Mãe, estás no frigorífico há muitos anos. Tens de vir cá para fora descongelar.” Estabelecemos todos uma relação muito boa, de imediato.
Temos 21 anos de diferença, mas isso nunca foi um problema (já estive com uma mulher com menos 26 anos do que eu). O preconceito associado à idade existe, mas é algo que nunca me afetou. O importante é que se goste da pessoa. Há uns tempos, a Marta começou a receber mensagens de uma “macaca” que lhe dizia que ela andava atrás de velhos ricos. Caramba, sou ator, de rico não tenho nada.
“O casamento é como os melões”
Namorámos durante dois anos, até que a Marta começou a falar em casamento. Já tinha vivido com mulheres sem me casar e não fazia questão de nenhuma cerimónia, mas para a Marta era importante e eu não podia fazer-lhe a desfeita. Sugeri que nos casássemos no dia 15 de agosto de 2022 e que a festa se realizasse no restaurante Torremar – dia e local do nosso primeiro encontro. Não sou muito romântico, mas sou prático nestas coisas.
A cerimónia foi pequena, só com familiares muito próximos. Sentia-me ligeiramente nervoso, mas não ia deslumbrado, até porque já não tenho idade para isso. Gostava dela e ela de mim, estava tudo bem assim. A Marta estava felicíssima e foi um dos dias mais felizes da minha vida.
Quando contei aos amigos que estava noivo, ouvi muitas vezes: “Vais casar-te outra vez? És maluco? Não te serviu de emenda a primeira?” “Sou maior e vacinado, faço o que quero”, respondia-lhes. “É preciso ter coragem”, diziam eles. “Sou um homem corajoso”, brincava.
Planeámos uma lua de mel em Porto Santo, na Madeira. Quer dizer, só faltava a Lua, porque mel já havia bastante.
Temos muitos interesses em comum. Gostamos ambos de viajar e já sabemos que o próximo destino é o Kruger National Park, na África do Sul. A Marta é uma devoradora de livros e eu tenho alguns três mil guardados. Ela gosta de observar a Lua, o que é ótimo porque nos dias de Lua cheia conseguimos vê-la bem da nossa varanda. Damos longos passeios à beira-mar e, de vez em quando, escrevo-lhe poemas. Estamos bem um para o outro.
Ela diz que sou um doce, o que é muito simpático da sua parte, mas nem sempre isso é verdade. Sou agridoce. Somos os dois muito frontais e temos opiniões diferentes em relação a alguns temas. De vez em quando, a coisa faz crash e temos discussões, mas estamos cá para resolver as situações. Era pior se tivesse alguém ao meu lado que acatasse tudo o que eu dizia. Iria tornar-se monótono e chato.
Também há muita amizade pelo meio. Aliás, num casamento é preciso que ela exista, senão é tudo fogo-fátuo. Nos meus casos, começou sempre com amizade e terminou da mesma forma. Casei-me porque entendia, gostava das pessoas com quem estava. Acabou a paixão, o desejo, mas a amizade ficou e ainda hoje me relaciono com essas pessoas.
O casamento é como os melões, só depois de aberto é que sabemos se é bom. E o nosso é fresco. Nesta fase da vida, procuro uma companhia, alguém que me ature, ame e queira viver comigo da melhor forma possível. A vida é uma procura constante da felicidade e, se não for desta, a porta não se fecha, tal como nunca se fechou, porque não sou velho, sou usado.