Numa altura em que se avolumam os negócios em torno do livro eletrónico, cheio de beats e bytes, linguagem binária disfarçada por letras, leituras rápidas, produções instantâneas, há uma oficina em Lisboa que insiste em fabricar livros artesanalmente, como quem quer regressar a um tempo ausente. No Homem do Saco, na rua D. Carlos, por casmurrice ou paixão, fazem-se de livros objetos raros, em edições mínimas, em contracorrente com a fúria massificadora dos nossos dias. Os editores do Homem do Saco são os monges copistas dos nossos dias. Com algumas diferenças, claro.
Assume-se logo à partida que os monges copistas dedicavam a vida a copiar livros, não apenas por uma necessidade criativa (ou recreativa), mas pela missão imperativa de preservar e difundir aquelas palavras e ilustrações. Não obstante, o seu trabalho de desenho, meticuloso e preciso, resultou em objetos admiráveis, que ainda hoje podem ser apreciados em museus e bibliotecas.
Guttenberg está para os monges copistas como a Via Verde está para os portageiros. O seu trabalho tornou-se escusado. Como se veio a repetir tantas vezes ao longo da História, a tecnologia extinguiu um ofício. Da mesma forma, as evoluções técnicas de impressão ao longo dos tempos, foi tornando as mais antigas obsoletas. E hoje o digital comanda tudo, mesmo a impressão em papel, sobretudo porque obriga a uma estandardização de formatos, fontes, padrões, gráficas. Tudo em prol do rácio custo-benefício, do lucro.
Quando os artífices do Homem do Saco optam por usar técnicas de impressão obsoletas partem em busca de uma certa beleza perdida com o devir do tempo. É um ato poético por si só. Mas também um ato político. Não fazem literatura, entenda-se. O poema de Alberto Pimenta não se torna mais literário na edição do Homem do Saco do que numa possível edição eletrónica… Contudo há uma dignificação da própria literatura através do formato. Assim como se melhor aprecia a beleza de um quadro numa moldura cuidada. Assim como não se bebe champanhe em copos de papel.
Supondo que, para bem das árvores e do espaço das nossas casas, o digital se generaliza, o livro impresso só ganha interesse enquanto objeto único, raro, através da sua valia estética. Nesse ponto de vista, o ‘artesanato’ editorial tem mais futuro do que as edições impressas vulgares. Vale a pena descobrir no Homem do Saco esses livros que valem mais do que as palavras que têm lá dentro.