Aquele relógio é tão moderno que nem precisa de pilhas, é só dar à corda… A história, efetivamente, poderia ser contada ao contrário, porque sob alguns pontos de vista, o relógio a corda parece mais avançado do que o relógio a pilhas. É pelo menos mais económico e ecológico. O lápis, se não tivesse sido inventado há séculos, seria o suprassumo da tecnologia: permite escrever e desenhar, com diferentes caligrafias, de forma rápida, sem necessitar sequer de uma fonte de energia a não ser o próprio pulso. O mesmo se aplica aos livros e aos readers. Se fizermos um daqueles testes comparativos, chegamos ao seguinte conselho: se vai para a praia leve um livro, se vai viajar leve um reader. Não vai querer levar o seu ipad para a praia, nem os quatro volumes da Guerra e Paz no avião.
A areia impregna-se nos livros. É certo. Por mais que se sacudam, as páginas ficam irremediavelmente empestadas, assim como as casas das férias do verão. Aliás, bem vistas as coisas, a praia não é sítio a que se recomende a leitura (lê-se muito melhor em casa ou num jardim), tudo é demasiado incómodo, a areia invade as páginas, os jogadores de raquetes tiquetaqueiam-nos, o sol e o sal semicerram-nos os olhos. A única e verdadeira vantagem que a praia nos trás é o tempo livre. E é o que mais conta.
Já no inverno, se a ler um livro me cruzo com um desses famigerados grãos de areia nem por um minuto me irrito. Bem pelo contrário, aquele grão de areia traz-me uma memória feliz. Conta-me uma história e traz uma lufada de calor. Lembra-me que, apesar do frio da estação, passado uns meses estarei de novo na praia, a maldizer o som das raquetes.
Agora, se pego no ipad e encontro um risco provocado pela areia, isso em nada me satisfaz. A única conclusão a que chego é: nunca devia ter levado isto para a praia. E talvez me esforce, em vão, por apagar o risco com a ajuda de um pano e de um produto miraculoso qualquer, daqueles que nunca fazem milagres. A praia é por natureza analógica: não se enquadra com a tecnologia avançada, nem com telemóveis, nem com readers, nem com tablets, nem com leitores de MP3. É a maior ironia da tecnologia moderna: qualquer uma dessas geringonças pode ser derrotada por um simples grão de areia. Enquanto os livros podem-se deixar cair, esmurrar, dobrar, salpicar de areia, água e sal, até rasgar (e colar outra vez), que continuam a ser válidos, continuam a ser úteis.
Em viagem, o reader ganha. Podem levar-se mais de mil livros no espaço de apenas um e até adaptar a luminosidade. Mas será que alguém aguenta ler Guerra e Paz num reader? Claro que sim. Obviamente que talvez seja mais agradável a leitura em papel, com cheiro e tudo. Mas a obra de Tolstoi é um bem imaterial, vale além do formato e é de tal forma envolvente que o leitor se esquece da qualidade do objeto que tem entre as mãos. Eu sei do que estou falar, porque li o Guerra e Paz na edição de bolso da Europa- América. É obra.