“O relato da minha morte é um exagero”, comentou Mark Twain, quando recebeu em sua casa um jornalista enviado para averiguar do seu estado de saúde. Muitos anos depois, um jornal português anunciou prematuramente a morte do cineasta António Lopes Ribeiro. Na manhã seguinte, a redação recebeu um telefonema bem-humorado do realizador: “Estou? Daqui fala o morto”.
Mais recentemente pregaram ‘partida’ semelhante a Manuel Rosa, o editor da Assírio & Alvim. Propagou-se a falta notícia do seu falecimento, provocando grande inquietação entre familiares e amigos. Ainda na semana passada, foi anunciada a morte de Vasco Granja pelas redes sociais, criando o habitual redemoinho de divulgação em vários sites. Neste caso, o anúncio não foi prematuro, mas sim extemporâneo. Esta grande figura da animação portuguesa já tinha falecido em 2009.
Sexta-feira, quando chegou à redação do JL a notícia da morte de Bernardo Sassetti, de tão inacreditável que parecia, por momentos sobrou-me a esperança de se tratar de um mal-entendido, uma gralha, um boato de mau gosto, um exagero. Mas não, foi mesmo uma coisa estúpida que aconteceu. A morte é sempre estúpida, mas há algumas que… exageram.
E há coisas que não mudam. A sociedade evolui, a tecnologia desenvolve-se, mas a morte continua ser algo de inaceitável. Lidamos com ela de forma desajeitada. É sempre perturbante. Nunca estamos preparados, nunca estamos à espera, por mais que nos expliquem, por mais que nos avisem que há sempre um game over. Socorremo-nos de religiões, à espera de um próximo nível, de vidas extras ou outros rituais que nos apaziguem. Prestamos culto aos mortos e homenagens, não só porque eles merecem ser lembrados, mas porque isso nos faz sentir melhor. E também porque um dia também estaremos no mesmo sítio. Ou em sítio nenhum.
Os murais do Facebook de quem morre transformam-se rapidamente em livros de condolências. Onde outrora funcionava uma celebração da vida, com partilha de frases, imagens, sons, serve agora de fundo para uma despedida exorcista ou mesa de pé de galo. Mais tétricos são os prolongamentos automáticos da vida, que o Facebook nos oferece. Continuo a receber lembretes de aniversários de pessoas que já morreram, só que o Facebook não sabe. Mais estranho ainda é receber parabéns de pessoas já mortas, com bolo e velas incluídos. A virtualidade dá para tudo, para morrer duas vezes ou para reencarnar em forma de gato. Faz de conta que a vida também é assim. A ideia que Bernardo Sassetti não morreu é muito mais fácil de acreditar.