É irónico que “Ser ou não ser, eis a questão” seja a frase mais famosa de Shakespeare. Afinal, a identidade do autor de Hamlet tem sido, desde o século XIX, objeto das mais variadas teorias que defendem que esse homem de Stratford-upon-Avon não escreveu as 38 peças, os 154 sonetos e uma série de poemas a ele atribuídos. O principal argumento dos chamados anti-stratfordianos é a suposta incompatibilidade entre as origens humildes de Shakespeare e a genialidade dos textos. Ao longo dos tempos, avançaram mais de 70 nomes candidatos ao seu lugar, como Christopher Marlowe, Francis Bacon ou Edward de Vere.
Claro que, mais cedo ou mais tarde, isto tinha que dar um filme. E aí está. Anonymous, de Roland Emmerich – já em exibição nos Estados Unidos, Canadá, Irlanda e Reino Unido -, segue a tese de que Edward de Vere, filho ilegítimo da rainha Elizabeth, é o verdadeiro autor dos trabalhos de Shakespeare, sendo este um ator sem escrúpulos, bêbado e ignorante, que reclama para si a autoridade das obras. Pareceu-me um thriller interessante, até ouvir o realizador falar. Num tom sobranceiro, elencava uma série de argumentos que corroboram o guião, assinado por John Orloff, recusando-se a encaixar o filme no género de ficção histórica. Qual dono da verdade. A isto, reagiu a cidade-natal de Shakespeare em jeito de merecida gargalhada: cobriram a enorme estátua do dramaturgo com um lençol branco e taparam as inúmeras inscrições públicas do seu nome. A polémica continuará, mas todos sabemos que o génio nunca é anónimo.
Errata – Por lapso, a presente crónica, da autoria de Carolina Freitas, foi publicada no JL nº 1072 (2 a 15 de novembro de 2011) sob a assinatura de Manuel Halpern.