Em Montemor-o-Novo, a poucas semanas, mas milhares de quilómetros de distância, de I Suoni delle Dolomiti – festival ao qual o JL dedica a capa da presente edição – também a natureza foi recentemente palco de um diálogo entre os seus silêncios e os da música humana.
Os artistas Pedro Alves Sousa (PAS) e Adriana João (AJ) juntaram-se numa colaboração inédita, para tocarem uma “Ode” ao nascer do dia, durante o Ponto D’Orvalho, evento dedicado à arte, ecologia e comensalidade, realizado na herdade do Freixo do Meio.
Envoltos pela paisagem do montado alentejano, Pedro e Adriana fizeram soar, respetivamente no saxofone e no violino, notas de uma “composição improvisada”, nas palavras dos artistas, que se misturaram, lentamente, com os sons reais da natureza e com uma gravação de rumor de pássaros.
“O nosso ponto de partida foi imaginar um tipo de sonoridade que se adequasse ao horário do concerto e a um público que acordou há pouco tempo”, refere AJ, sublinhando que, por essa razão, a obra não poderia ser “demasiado agressiva”.
De facto, talvez tenha sido a potência do silêncio, em si mesmo “um ato musical”, como sublinha PAS, aquela que falou mais alto. “Quando tocamos ao ar livre, a ausência de música é imediatamente suplantada por inputs em relação aos quais não é possível fazer outra coisa senão estabelecer uma relação com eles”.
Tal como Mario Brunello, também PAS e AJ estavam habituados a tocar imersos na natureza, jogando com a sua imprevisibilidade. PAS explica como, durante temporadas passadas em Lamego, numa quinta de família, já montou e editou um álbum de Gabriel Ferrandini, gravou outro com Pedro Tavares (nome de arte Funcionário) e fez diversas experiências com o artista sonoro Wouter Jaspers.
“Tenho apego àquela terra, à natureza, gosto de estar nos rios, gosto de passar lá tempo sozinho”, conta o artista, que passou o verão a investigar, com Wouter Jaspers, de que forma o som do saxofone “era absorvido ou refletido por determinadas pedras, bancos de areia e pela água”, e como é que se pode “jogar com certos silêncios”, chegando ao ponto de “ouvir respostas dos pássaros” ou o canto do vento nas árvores, e incorporá-los na criação. “O próprio som da terra ouve-se à nossa volta. Parecem coisas muito pequenas, mas fazem sentido no processo de criação”.
AJ, por seu lado, confessa que usa o violino “como um meio para chegar a um fim, a certas texturas, sons e ritmos”. Tal abordagem, radicada numa prática próxima dos ritmos e sons da natureza, mais orgânicos e naturais, encontrou o seu expoente máximo em maio, durante uma performance, quando, ao tocar de forma acústica pela primeira vez em muitos anos, numa praia da Costa Vicentina, a artista encontrou o som “arenoso” que tantas vezes “criava” através de processos eletrónicos.
A obra que tocaram juntos em Montemor-o-Novo, nascida do diálogo entre os sons da paisagem, do violino e do saxofone, foi a primeira da dupla, mas está longe de ser a última. A gravação de mais temas, a partir da mesma lógica, está na calha para o próximo ano.