Deixou a redação do Público, em 2017, com o objetivo secreto de escrever um romance. E agora, com ele, venceu o prestigiado Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís, promovido pela Estoril Sol. Segundo o júri, Terrinhas é “um romance que, a partir do ponto de vista de uma mulher tipicamente citadina, coloca em confronto o mundo rural e o mundo urbano”. Catarina Gomes, 46 anos, foi durante quase duas décadas jornalista daquele diário e trabalha agora como freelancer. É autora dos livros de não ficção Pai, tiveste medo (Matéria-Prima, 2014), Furriel não é Nome de Pai (Tinta-da-china, 2018) e Coisas de Loucos (Tinta-da-China, 2020). Ganhou o Prémio Gazeta (multimédia), foi duas vezes finalista do Prémio de Jornalismo Gabriel Garcia Márquez e recebeu o Prémio Internacional de Jornalismo Rei de Espanha.
JL: O que a levou a trocar o jornalismo pela ficção?
Catarina Gomes: Era um sonho antigo, mas envergonhado. Em 2017, decidi sair da vida de redação com este projeto em mente. Mas sem confessar a ninguém, pois não sabia se ia ver a luz do dia.
É grande a diferença na forma como aborda este livro e os trabalhos de reportagem jornalística?
Na verdade, dizia sempre que fazia jornalismo narrativo, mas já usava as ferramentas da ficção. Contava as minhas histórias como se fosse um romance, com a criação de personagens, de cenas, tensão narrativa…
Só que no jornalismo não se pode inventar…
Sim. Além de que se tivesse alguma dúvida poderia sempre ligar a alguém e acrescentar essa informação. Uma das minhas grandes dificuldades no romance foi não ter o telemóvel das personagens, não as poder entrevistar…
Também fez investigação para o romance?
Imensa. Entrevistei carradas de designers de interiores para construir a personagem principal. Mas também produtores de batatas. O meu método foi fazer entrevistas e ir para o terreno.
É uma ficção ancorada na realidade?
Não, porque depois foi tudo inventado. Durante anos andei à procura de uma Cláudia (nome da protagonista) de carne e osso… Se a tivesse encontrado não a tinha inventado. Ela se calhar até existe, mas nunca a conheci.
Onde foi buscar a ideia para a história?
Herdei umas terrinhas e senti alguma perplexidade, porque tinham nomes estranhos, não apareciam no GPS, não sabia como ir lá ter sozinha. E sabia que as terras tinham tido valor para uma geração dos meus avós, mas para mim não valiam nada. Fiquei com um sentimento de culpa.
Quem leu a não ficção vai reconhecer a mesma escritora?
A grande diferença é que na não ficção tenho que me socorrer do factual. Além disso, neste livro há um eu, que partilha os seus pensamentos. Para quem é jornalista e está habituada toda a vida a falar na terceira pessoa é revolucionário mudar de registo.
O que é que o prémio lhe traz?
As oito pessoas do júri estão-me a dizer que o livro tem qualidade. Por isso, sem abandonar o jornalismo, vou continuar por este caminho da escrita de romances.
Já tem projetos?
Ideias não me faltam. A maior parte são de jornalismo. Mas também tenho uma ideia para um romance que vai precisar de pesquisa jornalística.