Nado à sapo, não sei nadar de outro modo. Saio pouco do lugar, fico a espanar a água e não tiro os óculos. Quero dizer, como ainda não tenho uns de mergulho, graduados, uso os meus óculos de sempre, para distinguir entre o que é a água da piscina e o que são os azulejos azuis muito enganadores. Claro, ficam todos a olhar para o balofo que nada mal, mesmo à sapo, e que vai de óculos de leitura. Não gosto nada. Redobro a coragem para estas coisas, não vou desistir de fazer umas piscinas, porque tenho os ossos todos a precisar e porque nadar espiritualiza-me a vidinha de uma ponta à outra.
No entanto, mesmo que muita gente não leia os meus livros, passar a palavra é como fogo ateado. Ao fim de umas quantas idas à piscina, já há quem me cumprimente de senhor doutor a senhor Hugo ou senhor escritor. Medem os meus calções justinhos, ficam a fazer contas à minha barriga, ao quanto sou ou não peludo, às minhas pernas consistentes. Enfim. Essas coisas em que se repara e não se comentam. Olham-me de cima abaixo, de perto a longe, da verdade à fantasia, para tirarem nabos do púcaro e ficarem regalados de cusca satisfação.
Em agosto retiraram as cortinas dos chuveiros individuais nos balneários das piscinas de Vila do Conde. Não foi boa ideia. Acredito que aconteça por causa dos putos, que são aos montes e correm a fazer confusão por todo o lado e alguns devem fazer asneiras e sei lá que mais. A verdade é que não há modo de, em agosto, se tomar ali um duche com privacidade. Percebi-o muito imediatamente. Escutei, numa voz falsamente baixinha, um miúdo dizer: ó pai, eu vi a pila do escritor. Parei de ensaboar a cabeça e olhei na direção da passagem, ali por onde os demais andam a entrar e a sair dos duches. Cinco segundos depois, vejo a carantona de um barbudo qualquer a espreitar. Era o pai do miúdo. E o miúdo, meio orgulhoso pela notícia, também apareceu mais atrás, a tiritar.
Que o miúdo se tenha espantado com ver um escritor nu, ainda posso entender, agora, que o pai tenha interesse em chegar ao café e discutir o assunto da minha nudez na piscina de agosto já é outra coisa. A partir daí, tomo duche de costas para quem passa. Já sei que não vai faltar quem diga ter visto o rabo do escritor.
Os miúdos nas piscinas não pensam. Ficam algaraviados. Atravessam-se à frente de qualquer cidadão, afundam-se à bruta em mergulhos de chapa, gritam histéricos, parecem matar e morrer. Há sempre alguém que explica que o lado onde são colocadas as linhas de boias são para natação contínua, e que a mais de metade da piscina livre é para brincadeiras, pinchos, assassinatos e suicídios. Pouco adianta. Em três minutos os miúdos já foram e já voltaram, porque fugir uns dos outros é urgente, e o mundo pode acabar nessa urgência que estará muito justa a consequência.
Uns senhores disseram-me que a nadar sou uma vergonha. Agradeci. Eram uns velhotes com a mania, devem ter sido desportistas em 1922. Numa disputa tolinha, começaram a fazer corridas para chegarem antes de mim. Depois de uma hora, comentaram que eu nadava de óculos porque ia lentinho e dava tempo para ler livros. Diziam isso e punham-se com aquelas coisas: só estamos a brincar, é uma brincadeira. E eu, meio afogado com muita água nas orelhas, que detesto, estava a achar que me iam dar os nervos.
Antes de irem embora, foram cumprimentar-me. Olhe, muito esforço e paciência. Você pode aprender, que até os bebés aprendem. Quando saí da água, a encolher a barriga e a caminhar rápido mas discreto para os balneários, uma senhora, que estava toda aeróbica aos saltos para aquecer, veio confessar-me que achava que a autarquia devia fazer uma piscina para pessoas assim: escritores e doutores, porque ela era doutora e, muitas vezes, sentia-se incomodada pelas pessoas sem cultura que por ali vão.
Normalmente, com uma conversa destas fico um bicho. Mas estava a encolher muito a barriga, não tinha ar suficiente nos pulmões, e os meus calções são muito destapados, aquilo não me pareceu boa maneira de me enfurecer. Sorri amarelo e fui embora. Nos balneários, ao fim de meia hora, ainda lá estavam os dois velhotes marretas, vestidinhos de engomados e a rirem de coisas tolas. Achei-os mais normais. Disse-lhes que ali, em pé como as pessoas e não às ondas como os peixes, queria ver se tinham treta. E disse-lhes que uma senhora exigia piscinas para escritores e doutores, só para se livrar de malcriadões como eles. Ficámos a rir. Até desencolhi a barriga. Queria lá saber.
Quando volto à piscina, penso nestas coisas. É costume nadar ainda pior para me rir. Tento não beber água. Já me explicaram que aquela conversa de o chichi se tornar uma mancha azul por causa do cloro é mentira. Toda a gente adulta sabe disso. E pensa-se que toda a gente adulta faz ali chichi e mais muita gente criança que, sem tempo e com as urgências, acaba por se descuidar. É tudo um circo e um certo perigo.