É jornalista há quase meio século. Começou na rádio, passou pela imprensa, televisão, e conta com uma série de títulos publicados, de entre os quais Memória das Guerras Coloniais (1994), Descolonização Portuguesa – O Regresso das Caravelas (1996) e Diz que é uma espécie de democracia (2009). Para João Paulo Guerra, de 68 anos, a escrita é a sua “forma de expressão”; “a fala é apenas um prolongamento”.
Estreia-se, agora, na ficção com Romance de uma Conspiração, editado pela Oficina do Livro. Baseado em factos reais, o romance relata a história de Pedro, um oficial das Forças Armadas que investiga uma rede transnacional de conspiração e repressão.
Tudo começou em 1990, quando a direção do semanário O Jornal desafiou João Paulo Guerra a pesquisar eventuais extensões em Portugal de uma organização terrorista internacional, por essa altura descoberta em Itália. O resultado foi um conjunto de reportagens, publicadas entre 1990 e 1991, que “identificaram alguns dos ramos e agentes da [rede] Gládio em Portugal”. Após a investigação, o repórter apercebeu-se de que, ao longo da sua vida profissional, tinha estado presente nalgumas atuações dessa organização, sem saber do que se tratava. “Constatei que havia um elo de ligação entre estes acontecimentos dispersos: eu enquanto jornalista”, explica. E pensou “Um dia hei de escrever sobre isto”.
Apesar da ideia surgir da experiência profissional do autor, Romance de uma Conspiração não é um relato jornalístico, nem a personagem principal tem um caráter autobiográfico. “Tinha muita informação recolhida sobre esta nevoenta rede, e pensei que era um pano de fundo sugestivo para criar uma ficção”, afirma. Tão sugestivo que quando, em Maio deste ano, “pegou em todas as notas soltas”, escreveu o livro de uma forma “quase febril”. Em meados de Junho estava pronto. “Uma experiência apaixonante”, sintetiza, destacando a “grande liberdade” de poder controlar o destino das personagens.
A par da intriga, o autor recria o ambiente social dos lugares do romance, por onde passou: Madrid, Luanda, Açores, Itália, entre outros. Tece, assim, uma crónica dos costumes de um tempo ido, entre as décadas de 60 e 90. De Lisboa, cidade onde nasceu e cresceu, traz-nos o convívio nos cafés, os cineclubes, o mundo dos jornais. E através da relação entre o protagonista e o pai (revisor n’O Século) evoca o valor da Literatura, os princípios da honestidade, liberdade, fraternidade e do compromisso com as causas em que acreditamos. João Paulo Guerra achou, por isso, “muito bonito” o comentário do jornalista Fernando Alves a este romance, ao considerar que “o verdadeiro ponto de partida do livro é o pai oferecer ao filho O Secreto Adeus“. Afinal, é a geração ‘de princípios’, retratada por Baptista-Bastos, que “vai participar nos acontecimentos de Romance de uma Conspiração“, explica.
Para o autor, este não é um livro saudosista. Há, no entanto, uma “nostalgia” face a uma época em que, apesar da “situação difícil”, havia “cumplicidade entre muitos jornalistas para tentar ‘furar o sistema'”. Não é uma coletânea “de memórias”, mas estão lá os ecos da sua geração.
Jornalismo como “paixão”
Nascido em 1942, em Lisboa, João Paulo Guerra frequentou os cursos de Medicina e História, porém, ainda a estudar, começou a estagiar na Rádio Renascença (1962), e dedicou-se, desde então, à carreira jornalística.
Passou pelo Rádio Clube Português, foi correspondente da Rádio Nacional de Angola, co-fundador da Telefonia de Lisboa e repórter e editor da TSF. Na imprensa, escreveu no suplemento do Diário de Lisboa, “A Mosca” (dirigido por José Cardoso Pires), na Memória de Elefante, e colaborou nos jornais O Diário, O Jornal, Público e Diário Económico. Foi guionista e repórter da série “O Século XX Português”, na SIC. Apaixonado pelo Jornalismo, não tem preferências em relação ao médium, embora afirme que a rádio “tem outro fascínio” e “permite uma maior proximidade entre o emissor e o recetor”.
A atividade jornalística de João Paulo Guerra abrange a segunda metade do século XX, acompanha a passagem da censura para a liberdade de expressão, em Portugal, e um sem-fim de mudanças tecnológicas, da fita de rasto ao digital. Um percurso que lhe valeu o Prémio Gazeta de Mérito 2010. Atualmente, assina a “Coluna Vertebral” no Diário Económico e é editor da “Revista de Imprensa” na Antena 1.