Enrique Vila-Matas é há muito um escritor da predilecção do JL. Justifica-o a grande qualidade da sua obra, mas também a disponibilidade com que sempre nos tratou. Ao jornal e ao país. No perfil que dele fez (a 9 de Maio de 2007), o jornalista desta casa, Luís Ricardo Duarte, acentuava justamente a firmeza desse laço antigo do escritor catalão com Portugal: “Alguns dos seus romances, como Estranha Forma de Vida (1997), título tirado do fado homónimo de Amália, são exemplos dessa afinidade geográfica e cultural, que seria explorada em sucessivas estadias no país. A maior parte delas na companhia de Manuel Hermínio Monteiro, o editor da Assírio & Alvim (entretanto desaparecido), que o levava, sempre no seu carro, por montes e vales. “Ele amava muito Portugal e transmitiu-me esse sentimento”, recorda o escritor.”
A fome de mundo de Vila-Matas é inesgotável: Portugal, sim, mas também Espanha, a América do Sul, Paris, Nova Iorque, a China. Para todos estes locais viaja com a mesma entrega total com que vive e escreve. Testemunha-o Diário Volúvel, obra fascinante que a Teorema acaba de lançar em Portugal.
Com uma clarividência rara, Vila-Matas relaciona apreciações literárias, pequenos acontecimentos quotidianos, muitos quartos de hotel (uma das suas confessas manias) e profundas análises sobre a “marcha” do mundo e das sociedades que ele ausculta com a ansiedade do médico que sabe ser também um dos pacientes. Há páginas de uma poesia triste como esta: “Despedimo-nos todos os dias de alguém que nunca mais voltaremos a ver. Como estamos sempre a despedir-nos perigosamente, há tardes em que me despeço de toda a gente e, quando fico só, decido retardar o meu regresso a casa para evitar que me ocorra o que aconteceu a uma amiga que se despediu e nunca mais a voltámos a ver.”
E há outros momentos, contagiantes de ironia como aquele em que descreve a visita de um técnico de informática ao seu apartamento: “Chegou um jovem com ares de presunção e uma noção, por outro lado, muito profunda de parcimónia. Assim que se sentou a examinar o monitor do meu computador, ligaram-lhe para o telemóvel e um sorriso baço apoderou-se dele quando começou a comentar as peripécias festivas da noite anterior (…). Quando acabaram as risadas, teve, finalmente a delicadeza de dar uma olhada ao meu monitor, e a partir daí deu-se início a uma longa usurpação do meu lugar de trabalho e também uma longa sessão de mutismo, olhar fixo no vazio, orelha em cima da mesa (…) algumas exclamações de verdadeiro espanto. “Desta, não saímos vivos”, disse de repente, e notava-se que não podia sequer imaginar que a vida estava em jogo em minha casa.” No momento em que Vila-Matas lhe perguntou como se chamava, o técnico, alemão de nacionalidade, respondeu-lhe “com ares de superioridade”: Ludwig. Provocado pela anunciada morte do disco rígido do computador moribundo, pela vacuidade da sociedade hiperconsumista, o escritor admite que sentiu vontade de o matar.