No dia em que, por irreflexão minha, perdi o mais belo dos SMS de amor que alguma vez recebi senti ganas de destruir o telemóvel. Não o fiz (embora tenha aproveitado a intenção para propósito ficcional) mas invejei verdadeiramente esses namoros de outrora que guardavam em maços enlaçados amor, ciúme, esperança, desejo, arrebatamento. Não era Soror Mariana quem queria, mas mesmo o mais singelo apaixonado tinha, nas gavetas, esses pedaços de prosa a que o catalão Joan Margarit chamou a “última literatura”. Num poema belíssimo (“Non tires las cartas de amor”) o poeta escreve: “Caerán los años. Te cansarán los libros./Descenderás aún más/ e, incluso, perderás la poesia./El ruído de ciudad en los cristales/acabará por ser tu única música,/y las cartas de amor que habrás guardado/serán tu última literatura.”
Margarit, nascido em 1938, escrevia para os seus contemporâneos que, na melhor das hipóteses, dispunham de um telefone para encurtar distâncias entre amantes. Os menos imaginativos chegavam mesmo a comprar um dos numerosos manuais de correspondência amorosa disponíveis nas livrarias. Iam ao marco do correio, cheios de esperança de um dia cantarolar como Sérgio Godinho: “E ela disse que sim.”
Mas e-mails e SMS substituíram, com óbvias vantagens prática, a antiga arte da epistolografia. Já não é preciso ir aos correios, gastar dinheiro em papel de carta, selo, horas de angústia na espera da resposta, outras tantas de introspecção para encontrar expressão adequada ao amor que nos tomava. E, no entanto, muito se perdeu nessa substituição tecnológica que poderá significar toda uma transformação civilizacional. Muito dificilmente alguém guardará mails de amor com o empenho posto na conservação de cartas dentro dos respectivos sobrescritos. O que, na ideia de Margarit, deixará as gerações futuras ainda mais sós. Faltar-lhes-ás, nos piores anos, a sua última literatura.