O Festival de Filosofia de Abrantes (FFA) é uma afirmação da filosofia na cidade dos homens e das mulheres. Quer, por isso, contribuir para debater os problemas que esses homens e mulheres têm na sua vida coletiva. A filosofia não tem por vocação habitar apenas a Academia, mas participar na construção da sociedade. O FFA é parte de um arco da presença da filosofia na cidade. Queremos, por isso, chamar também a atenção para outras formas dessa presença e para outras cidades em que se faz esse trabalho.
Este ano, em 2ª edição, o tema do FFA é “A inteligência artificial, o trabalho e o humano”. Vamos debater os desafios que a automação e a inteligência artificial colocam quer à nossa organização social, quer ao estatuto do humano num futuro que se aproxima. Um futuro sem trabalho, logo sem rendimentos próprios das pessoas? Pessoas que, substituídas pelos robôs, se tornam spam? O humano substituído por um novo super-homem produzido pela engenharia genética? O tema é da maior atualidade e importância, queremos por isso saber e refletir sobre ele.
Para nos ajudar a fazê-lo, teremos algumas pessoas comprometidas quer com a investigação científica e técnica, quer com a reflexão sobre estes processos. Viriato Soromenho-Marques abre a reflexão, e depois dois filósofos jovens, Gonçalo Marcelo e Steven S. Gouveia são algumas vozes da filosofia. Porfírio Silva, da filosofia da ciência, Luis Oosterbeek, arqueólogo e representante português no Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas da UNESCO, Manuel Carvalho da Silva, sociólogo, e Sara Fernandes (smart cities) falam a partir das ciências humanas.
Arlindo Gouveia (presidente do IST) e Luís Moniz Pereira representam o lado científico e técnico. E até Watson, o computador, da IBM, vai ter honras de cartaz no programa. Joana Rita Sousa e Lara Sayão vão fazer trabalho com crianças, jovens e professores. Diogo Tudela e Leonel Moura trazem o olhar a partir do mundo das artes.
Do estrangeiro vêm Jean Haentjens, economista e urbanista (França), e Nina Power, filósofa (Reino Unido). E ainda Lara Sayão (Brasil) que, com Tomás Magalhães Carneiro (Porto) e José Alves Jana (Abrantes) apresentam experiências concretas da presença da filosofia fora do meio académico.
Os jovens têm algumas atividades protagonizadas por eles próprios, enquanto “jovens pensadores”. E para eles é lançada a 2ª edição do prémio de ensaio.
O teatro tem lugar marcado com Do princípio ao Fim, pelo Teatro das Beiras, e A voz humana, de Jean Cocteau, pelo Grupo de Teatro Palha de Abrantes. O cinema traz-nos Ex machina, do realizador Alex Garland. E a música apresenta-se pelo trio X-TRI_OPEN, com Carlos Bechegas (flautas e processador), UlrichMitzlaff (violoncelo)e Carlos Santos (lap-top). Um recital de poesia política e uma exposição de livros sobre o tema no centro histórico são outras formas de trazer a reflexão mais ao encontro das pessoas. Apresentação de livros e uma feira temática do livro completam a ementa.
E um dos pratos do Festival é confecionado entre representantes dos vários partidos com presença na Assembleia da República: “Robótica e trabalho: desafios políticos”, ou seja, que nos dizem os nossos representantes políticos a um problema que tem uma clara dimensão política?
Como um dos objetivos do FFA é afirmar a presença da filosofia na cidade, vamos destacar uma das figuras que melhor tem representado esse trabalho ao longo de décadas, Eduardo Lourenço, de formação histórico-filosófica e que tem sido uma presença constante de reflexão e lucidez no espaço público da sociedade portuguesa.
Por todas estas iniciativas, e mais algumas que não cabem numa síntese, é visível que o FFA se assume como um lugar de encontro “entre” pessoas que pensam e “entre” perspetivas de pensamento. Não se trata, portanto, de um encontro entre filósofos, mas de um serviço da filosofia em jeito de uma festa de pensamento e artes.
No ano passado, a 1ª edição do Festival foi dedicada a dois problemas também muito atuais e interligados: O Regresso da História: a crise da democracia, a religião e os fundamentalismos. E, tal como este ano, ocupou os dois fins de semana à volta do Dia Mundial da Filosofia, a terceira quinta-feira de novembro, e toda a semana. Durante a semana, por razões óbvias, o Festival é mais centrado nas atividades com alunos nas escolas e sessões à noite. O fim de semana encontra-nos mais disponíveis para “pensarmos uns com os outros”, mediados por pessoas com qualificações que nos desafiam a ir mais longe. E nós vamos.
Entretanto, tal como no ano passado, o Clube de Filosofia de Abrantes, tem vindo a realizar sessões preparatórias em que o tema geral do Festival é abordado sobretudo a partir de livros e apresentações que abrem linhas temáticas e de reflexão. Deste modo, o Festival encontra-nos localmente já a caminho.
Anote-se que este ano o Festival tem o alto patrocínio do Presidente da Republica. A iniciativa e ‘produção’ é da Câmara Municipal de Abrantes em parceria com o Clube de Filosofia da cidade e a Palha de Abrantes – Associação de Desenvolvimento Cultural, bem como a Fundação de Serralves, e ainda com as Câmaras de Sardoal e Mação e os Agrupamentos de Escolas dos três concelhos (algumas das sessões são em Sardoal e Mação, concelhos vizinhos).
A própria conjugação deste leque de parceiros mostra como a filosofia pode unir esforços e como o seu papel, sem ser do outro mundo, é bem vindo à cidade que formamos e habitamos. Porque “pensar é preciso”, sobretudo quando os problemas são decisivos. “Assumindo o instrumental (ciência e tecnologia) o comando da economia e da sociedades, ainda teremos uma história humana? Ainda é possível uma finalidade humana (ou finalidades) e ainda teremos um futuro humano?”