JL: Voltar foca uma realidade pouco estudada – às vezes até escondida – da sociedade portuguesa. Porque quis escrever este livro?
Sarah Adamopoulos: Não tenho uma história pessoal com esta História. A convite do Ricardo Rodrigues comecei a escrever pequenas crónicas de jornalismo literário para a Notícias Magazine. Chamavam-se Histórias de África. Como denominador comum tinham o facto de se passarem todas naquele continente. Das múltiplas conversas que tive com pessoas que lá viveram, comecei a aperceber-me de que havia sempre uma outra história, nunca contada. E parecia-me que tinham muita vontade de o fazer. Isso tornou-se de tal forma evidente, que decidi parar de colaborar na revista para me dedicar a este tema. Pareceu-me necessário. Quis perceber quem eram e quantas eram estas pessoas. Oficialmente a contabilidade aponta para 500 mil, mas essa estatística não pode ser verdadeira. A memória do colonialismo e da descolonização é controversa e há muito que está por contar. Este livro é a minha pequeníssima contribuição e enquadra-se no estudo que tenho vindo a fazer sobre a sociedade portuguesa.
O que fundamentalmente viu refletido nas inúmeras conversas que compõem o livro?
Realidades muito diferentes. A das pessoas mais velhas, a maior parte bastante amarguradas, que não querem voltar. Talvez sejam estes aqueles cuja recusa melhor compreendo. Têm consciência de que não poderiam jamais reencontrar aquilo que deixaram. Além disso, há o trauma da partida. Não se tratou de voltar, mas de fugir… Muitos destes descendentes de colonos oitocentistas, nunca tinham vindo a Portugal até 1975. Essa realidade apaixonou-me. Por outro lado, quis falar também do que aconteceu cá. O meu ‘assunto’, e não tendo eu tido nenhuma experiência colonial, é a sociedade portuguesa. Do segundo grupo que refiro, dos que efetivamente voltaram a Portugal, tenho a representação de um vasto contingente. Uma espécie de armada ou exército de pessoas aventureiras e corajosas que tinham recusado esta miséria e partido para África.
Esses serão, se quisermos, os verdadeiros retornados. Nesse ‘pacote’ incluo todos os emigrantes (portugueses, brancos) e suas descendências, mas não esqueço os naturais desses lugares que Salazar dizia serem partes de Portugal, ou seja, todos os que voltaram e foram morar para barracas, que não tiveram apoios do IARN (Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais) nem direitos de cidadania, e ainda todos os que seguiram diretamente para o Brasil ou para a África do Sul, e vieram mais tarde, reencontrar destinos de miséria. Refiro ainda um terceiro grupo. Pessoas da minha geração, que eram crianças e jovens aquando da chegada a Portugal. Falam de alguns complexos identitários que eu já tinha compreendido e que quis aprofundar focando as questões da infância e do começo da juventude, do regresso forçado e de tudo o que se seguiu.
Voltar é quase uma grande reportagem…
Sim, uma grande e profunda reportagem, com várias reflexões no texto que corre em paralelo aos testemunhos, onde também procuro fazer uma contextualização histórica e política. Talvez seja também uma maneira de fazer jornalismo fora dos jornais. Um jornalismo cidadão, participativo e ativo onde haja espaço para pensar, longe da vertigem louca do dia-a-dia.
Disse que este trabalho é um contributo para a reflexão. O que poderá surgir a partir dele?
Gostaria sobretudo que se debatesse esta temática. Mesmo nas visões mais progressistas, a culpa histórica que ainda domina o pensamento pós-colonial, parece ser um problema inultrapassável. Mas é preciso falar sobre isto para que possamos ir tratar de outros aspetos interessantes e urgentes, como por exemplo, a questão da lusofonia.
E já tem novos planos de escrita?
Preparo um projeto sobre a memória das campanhas bacalhoeiras. Interessa-me a história social ainda por inscrever e que morre com os que vão morrendo. O tema foi-me desvendado pelo historiador Álvaro Garrido [autor do comentário da contracapa de Voltar] que pertence a uma corrente muito interessante da atual historiografia portuguesa.
Sarah Adamopoulos
VOLTAR – MEMÓRIA DO COLONIALISMO E DA DESCOLONIZAÇÃO
Planeta, 315 pp, 18,85 euros