E que tal se, em vez de ocuparmos nós os lugares, sentarmos nas cadeiras o aspirador, a centrifugadora e air fryer. E depois perguntamos-lhes o que acharam do concerto… Se a comida chegar esturricada, é porque a música foi realmente má”. Esta foi a primeira reação do grande Constantino Prata, maestro e melómano da velha guarda, quando o filho e a nora lhe avisaram que tinham arranjado bilhetes para a Orquestra Sinfónica de Robots Isaac Azimov.
Diga-se que naquele tempo as orquestras de robots já não eram propriamente novidade. A evolução da inteligência artificial tinha permitido de todo um pouco. Começara com a recuperação da 10.ª sinfonia de Beethoven, que o compositor deixara inacabada, intervenções na música pop, como uma canção dos Beatles, mas depois passara para questões mais complexas e especulativas. Por exemplo, fora produzido por Inteligência Artificial um novo álbum de Miles Davis. Mas aquele disco não era baseado em nenhuma gravação perdida ou incompleta, foi mesmo o algoritmo que se preparou, com toda a informação disponível, para desenhar temas originais que Miles Davis eventualmente teria composto.
As orquestras de robots, entretanto, proliferavam. As salas de concertos aperceberam-se que poderiam fazer espetáculos grandiosos com um orçamento bastante baixo. E os robots tocavam grandes sinfonias com um grau de perfeição igual ou superior às melhores orquestras humanas.
Claro que isto provocava uma enorme resistência. Sobretudo, havia de parte da elite uma dificuldade em aceitar humildemente que os robots poderiam superar os homens nas áreas artísticas. Era também uma questão política. Constantino era daqueles a que a simples ideia de um robot a tocar Mozart dava-lhe a volta ao estômago.
Só que naquele caso era diferente, A Orquestra de Robots Isaac Azimov, uma das mais graduadas a nível mundial, iria apresentar em estreia absoluta a Sinfonia 000110101111001, composta integralmente pelo robot 0k7 e dirigida pelo maestro robot Giskard Reventlov. A curiosidade era muita.
Constantino sentou-se inquieto no seu lugar, ao lado do filho e da nora, a observar os movimento metálicos dos objetos em palco. Até parecia que estavam nervosos. Tudo aquilo era uma grande farsa para agradar humanos. Obviamente que bastaria um só robot para reproduzir todos aqueles sons, montavam o aparato de orquestra para deslumbrar ou confundir os espectadores. Dentro de toda a sua melomania, Constantino foi ouvindo os andamentos, como se se tratasse de um tratado de lógica, sem querer admitir que nada soava demasiado parecido nem demasiado diferente de tudo o que tinha ouvido até à data.
Foi então que o primeiro violino, um robot de metal reluzente com a faixa preta, emitiu um som. Um som que nunca ninguém jamais houvera ouvido. Não era particularmente grave, nem particularmente agudo. Uma nota fora das escalas e das catalogações. Um elo perdido no universo sonoro. Constantino deixou-se escorregar na cadeira e chorou de comoção. Nunca tinha estado tão próximo da ideia de belo.