Se reconhecermos no Indie a qualidade de barómetro, o cinema português vive um bom período. Este ano haverá a maior Competição Nacional de sempre: são 25 filmes, incluindo 10 longas-metragens. A direção admite que ainda havia outros filmes que mereciam estar presentes, mas ficaram por selecionar.
Segundo Susana Santos, diretora do Indie, não se trata de algo conjuntural, mas sim fruto de uma consistência e diversidade de olhares do cinema aqui feito. De resto, apesar de se assumir um esforço de compactação para dar mais importância a cada filme selecionado, esta edição do Indie conta com 238 películas (incluindo curtas).
Ou seja, não é uma edição que se consiga acompanhar de fio a pavio. Pelo que é importante fazer escolhas. Ou confiar na sorte.
Entre os portugueses, há grandes expetativas para Pai-Nosso – Os Últimos Dias de Salazar, filme de José Filipe Costa, realizador que tem dedicado uma parte significativa da sua obra à Revolução de Abril e aos seus contornos, em filmes como Linha Vermelha e Prazer, Camaradas. Desta vez, apresenta um filme de ficção focado nos últimos dias do ditador, após ter sofrido o AVC que o fez cair da cadeira (real e metaforicamente). O filme conta com Jorge Mota e Catarina Avelar nos principais papéis.
Sandro Aguilar, um dos realizadores portugueses mais premiados em curtas-metragens, mostra aqui a sua terceira longa, Primeira Pessoa do Plural, em que brilha Albano Jerónimo. Uma narrativa flutuante em torno de um casal que celebra o aniversário de casamento, com uma linguagem estética ousada e desafiante.

De Cabo Verde, chega Hanami, mais do que auspiciosa estreia nas longas da luso-cabo-verdiana Denise Fernandes. De alguma forma, é o regresso do cinema português à Ilha do Fogo, onde Pedro Costa filmou Casa de Lava. O contexto, contudo, é eminentemente cabo-verdiano, de dentro para fora, centrando-se em Nana, uma adolescente que quer ficar, quando a única solução para os ilhéus parece ser sempre partir. É também o filme que representa o Indie na Smart 7, secção criada em conjunto com outros seis festivais.
Destaca-se ainda a estreia mundial de A Vida Luminosa, de João Rosas; Duas Vezes João Liberada, de Paula Tomás Marques; ou Santa Iria, de Luís Miguel Correia. Isto além de curtas como Sombras de Nós Próprios, de Pedro Serrazina; Sabura, de Falcão Nhaga; Um Dia Bom, de Tiago Rosa Rosso; ou Black Hole Descending, de Rita Macedo.
Acrescentam-se ainda os 12 filmes portugueses presentes na secção Novíssimas, dedicada fundamentalmente a filmes de escola, mas que tem servido de revelação de talentos.
A Competição Nacional também teve um caso – daqueles que já assolaram festivais um pouco por todo o mundo. Balane 3, realizado por Ico Costa, em que este prossegue a sua deriva moçambicana, foi selecionado para o festival. Contudo, após uma denúncia que o acusa de violência doméstica, a direção do Indie decidiu retirar o filme.
Existências e insistências

Ao contrário do que acontece na Competição Nacional, em que há uma mistura entre realizadores experientes e novatos, a Competição Internacional restringe-se a cineastas com um máximo de três obras realizadas.
Entre curtas e longas, procura-se uma certa diversidade geográfica, mas também de géneros e formatos. Segundo nos explicou a diretora Susana Santos, há uma tendência para temáticas existencialistas — embora tal não seja demasiado evidente.
Da seleção fazem parte Vitrival, uma comédia belga da dupla Baptiste Bogaert e Noëllle Bastin; Río Abajo, Un Tigre, do espanhol Víctor Diago; On Becoming a Guinea Fowl, do zambiano Rungano Nyoni; No Sleep Till, da americana Alexandra Simpson; Olivia & Las Nubes, do dominicano Tomás Pichardo-Espaillat; ou Lo que Trajo la Tormenta, do argentino Miguel de Zuviría.
Os realizadores com mais de três filmes passam para a secção Silvestre, que também é competitiva. Assim, é natural encontrar aqui realizadores mais conhecidos, que já passaram por este e por outros festivais portugueses. É o caso do galego Lois Patiño, com Ariel; o japonês Kiyoshi Kurosawa, com Cloud; o americano James Benning, com Little Boy; ou o brasileiro Filipe M. Bragança, com Zizi (ou Oração da Jaca Fabulosa).
Finalmente, na secção Rizoma, criada o ano passado, encontramos algumas das principais antestreias, com filmes que podem eventualmente agradar a um público mais vasto. Estão aqui alguns filmes portugueses importantes, como Memórias do Teatro Cornucópia, realizado por Solveig Nordlund; Casa-Abrigo, um documentário sobre vítimas de violência doméstica de Márcia Laranjeira; ou De Que Casa Éres, de Ana Pérez-Quiroga, em que crianças espanholas exiladas na União Soviética durante a guerra civil respondem a esta pergunta.

Destaque-se aqui também a trilogia Youth, de Wang Bing; The Last Showgril, filme de Gia Coppola em volta de Pamela Anderson; Les Reines du Drame, de Alexis Langois; Little, Big, and Far, do americano Jem Cohen; ou O Último Azul, do brasileiro Gabriel Mascaro.
Isto além das sessões especiais, de abertura e encerramento. Para a abertura, uma comédia muito surpreendente. Matthew Rankin mimetiza a estética do cinema iraniano, em jeito de homenagem, transpondo-a para a realidade canadiana. E no encerramento, Caught by the Tides, em que o chinês Jia Zhang-ke conta a história de um romance falhado que se desenrola ao longo de 20 anos, com uma China em evolução como pano de fundo.
Autores a descobrir

O Indie, em conjunto com a Cinemateca Portuguesa, convida-nos a conhecer uma das mais intrigantes e desafiadoras realizadoras búlgaras do século XX.
Binka Jeliaskova é autora de um cinema esteticamente inovador e narrativamente desafiante, ao ponto de quatro dos seus nove filmes terem sido proibidos pelo regime e apenas conhecidos pelo grande público depois da queda do Muro.
Uma dessas obras foi Life Flows Quietly By… (1957). Mas tem outros filmes muito relevantes, que receberam prémios fora da Bulgária, como We Were Young (1961), sobre a resistência ao nazismo, premiado em Moscovo; The Attached Balloon (1967), que passou na Exposição Universal de Montreal; ou The Last Word (1974), que esteve em competição em Cannes.
Falecida em 2011, com 88 anos, a sua obra ganhou reconhecimento internacional, em parte, por figurar no filme de Mark Cousins Women Make Film. Na Cinemateca passa uma retrospetiva completa.
O Indie abre espaço ainda para um foco em Charlie Shackleton. Realizador e crítico de cinema, tem uma obra interessante de curtas e longas, feita em grande parte de filmes-ensaio. Entre outras obras, passa, em formato de instalação, Paint Drying, 10 horas de tinta a secar numa parede — filme realizado em protesto contra a comissão de classificação de filmes britânica.
Música, erotismo e terror

Uma das secções mais procuradas pelo público continua a ser o IndieMusic, que, como o nome indica, faz a ponte entre o cinema e a música. Também por aqui se encontram vários filmes portugueses.
Catarina Alves faz um retrato de Orlando Pantera, inovador músico cabo-verdiano que morreu prematuramente aos 33 anos. Daniel Mota, em Paraíso, regressa ao tempo das raves que marcaram a cultura urbana portuguesa do início da década de 1990. E, em Filhos do Meio, Luís Almeida faz uma história do rap da Margem Sul de Lisboa.
Destacam-se outros filmes, como o documentário sobre Milton Nascimento, assinado por Flávia Moraes; o flamenco através da guitarra de Yerai Cortés, de Antón Álvarez; o retrato de Meredith Monk por Billy Shebar e David Roberts; ou uma viagem pela música eletrónica em Move Ya Body: The Birth of House, por Elegance Bratton.
Os mais cinéfilos podem deleitar-se com a secção Director’s Cut, em que o cinema se olha ao espelho e onde se apresentam alguns clássicos e filmes de culto. É o caso de Diferente, de Luis María Delgado, musical homoerótico de 1962 que conseguiu escapar às garras da censura do regime franquista.

Também Sealed Soil, uma relíquia do cinema iraniano, assinado por Marva Nabili, tido como o primeiro filme daquele país realizado por uma mulher. Além da versão restaurada de Iracema, Uma Transa Amazónica, obra marcante do cinema brasileiro, assinada por Jorge Bodanzky e Orlando Senna; e Les Lèvres Rouges, filme de culto do belga Harry Kümel.
Café Flesh, de Stephen Sayadian, faz parte do Director’s Cut, mas será integrado na maratona Boca do Inferno que, como é habitual, propõe filmes sem parar madrugada fora, no Cinema Ideal. A propósito deste filme de culto a meio caminho da pornografia, o Indie desafia os espectadores a comparecer na sala de gabardina, oferecendo-lhes um desconto.
Além disso, a secção é feita de filmes de género, sobretudo entre o terror e o erotismo. Entre curtas e longas, filmes como Mads, de David Moreau, O Caminho da Serpente, de Kiyoshi Kurosawa, ou Yaza, de Francisco Lacerda.

Para os mais novos, o IndieLisboa funciona quase como um festival dentro do festival, com uma programação vasta concentrada em cinema de animação (mas não só). Natural destaque para o regresso de Michel Gondry, com o filme de animação (que mistura várias técnicas) Maya, Dá-me um Título. Do IndieJunior fazem parte também ateliers e diversos programas especiais para famílias e escolas.
Para os mais ousados, há ainda o desafio do cinema na piscina, em que se dá a possibilidade de ver um bom filme enquanto se dão umas braçadas na piscina da Penha de França. Entre outros, passam O Que Fiz Eu para Merecer Isto, de Pedro Almodóvar, e O Grande Lebowski, dos irmãos Coen.
E, claro, o Indie também é feito de debates, encontros, um programa especial para a indústria e muitas festas.