JL: Porquê a ficção científica? O que te interessou explorar dentro e fora das convenções do género?
Carlos Amaral: Apesar de gostar muito do género, são poucos os filmes de ficção científica de que realmente gosto. A maior parte foca-se na tecnologia, às vezes com construções de mundos interessantes, mas ignoram temas mais complexos. E sendo um género caro de produzir, geralmente vem de Hollywood e com resultados que não passam do pop. Gosto da ideia de “poder espreitar o futuro” ou realidade alternativa, mas interessam-me acima de tudo as questões humanistas e a psicologia das personagens quando sujeitas a algum contexto que é uma idealização do que poderá ser o nosso futuro. É um exercício fascinante. Além disso, gosto muito da construção de um universo cinematográfico futurista, gosto de tecnologia, mas creio que não é isso que explorei. A tecnologia no meu filme é só um pretexto para colocar as personagens sozinhas num sítio onde não querem estar, à procura de um propósito existencial.
Esteticamente o filme é muito interessante. Qual foi a tua maior preocupação em termos de conceito visual e áudio?
Adoro cinematografia, adoro filmes visuais e adoro quando a banda sonora consegue elevar uma cena acima do que ela tenta contar. Também gosto de filmes realistas, carregados de drama, mas quando imaginei o Mar Infinito, há 10 anos, creio que ainda não tinha maturidade para abordar drama contemporâneo. Portanto a ideia sempre foi fazer um filme visual, com uma narrativa não linear, que passasse como um sonho e que pudesse ser pensado na montagem. Muitas das escolhas estéticas são fruto das condições de produção cruzadas com as ideias do filme: sabia que teria pouco tempo para filmar, por isso trabalhamos a partir de master shots com toda a cena e só cortamos quando era estritamente necessário. Isto não só permitia dar mais espaço ao plano, ajudando à noção de vazio como me deu oportunidade a mim, como artista de VFX, de adicionar e retirar elementos nestes planos que pontuaram a história com pequenos elementos sci-fi, tentando nunca me perder no excesso. A música foi composta pelo Miguel Santos, que conseguiu criar ambiências que por vezes comunicam melhor que os diálogos. O trabalho de áudio foi muito suportado pela música, somando o desafio de recriar uma cidade vazia, mesmo um outro planeta.
Abordas uma realidade distópica, à mercê de muitas metáforas. Inspiraste-te especificamente em alguns autores?
Este filme é em parte sobre emigrar, não para sobreviver, mas para encontrar um objetivo. Inspirei-me nas dezenas de amigos que vi partir desde 2008, não porque estivessem em perigo, ou risco de não sobreviver, mas porque simplesmente não viam futuro em Portugal e acreditavam que esse futuro poderia estar fora — o que creio ter sido verdade para alguns, mas não para muitos. Carl Sagan é uma inspiração óbvia, dado que ele era um sonhador, o título é tirado de uma frase dele… No entanto ele era otimista, eu não sou. Creio que o filme que mais me inspirou pouco tem a ver com o meu, mas quando vi o Upstream Color (Cores do destino), de Shane Carruth, percebi como iria fazer este filme. É também um filme que aborda algo que se passa dentro das personagens e ignora a tecnologia e o enredo em favor de uma forte poética visual, metafórica. No meu filme a água é a maior metáfora, é o início da vida, é dentro dela que sonham, é da água que ele tem medo, mas é na água que viaja, é o que cobre o planeta para onde deseja ir. Portanto é simultaneamente o objeto de desejo e o que impede de chegar onde quer.