Vamos pelo caminho, o mau, que é sempre o da nossa preferência.
Viçosa era a vila e a viúva da hospedaria.
Preto carregado sublinhando o louro platinado e desalinho do cabelo.
Uma ex-balzaquiana e viúva, mas sem cama de casal nem quarto com banho e pechiché.
Regresso ao frio e colho uma laranja caída, tombada na calçada de briol português. Uma laranja chocha que se arrepia com o frio da nossa passada enregelada.
Gosto das laranjas que desistem que são vencidas pelo toro e pela feroz competição da seiva.
Viçosa é a laranja que aguenta altaneira, monopolizando o sol para si, a lambisgóia.
Vai morrer cheia de suco de laranja, cheia de brio e totalmente inapta para o vodka, porque esta laranja viçosa raramente se mistura.
Prefiro mil vezes a laranja que tomba, seca, vencida e quase amarela de cadáver citrínico.
Meto-a ao bolso e afago a sua pele encrespada.
Faço festas a esta laranja perdida como quem afaga o pêlo carente de um rafeiro.
Sigo passo certo para a pousada, mais cara, é certo, mas viçosa como a laranja ao alto do toro, inacessível e medieval, no sentido solene e careiro que o termo pode assumir quando se fala de badamerdice turística.
Aproximo-me do semblante vagaroso e sombrio do consiérge e dirigo-lhe as mais célebres palavras:
– Boa noite, qual é o preço do leito?
– Cama de casal?
Inquire o estalajadeiro engravatado.
– O mais possível
Digo eu, que nunca se sabe quando um viajante solitário acorda com a mão aconchavada numa bela mama sobranceira.
– São 150 euros.
Responde desconfiado, Félix, nome que reluz na placa Pestana.
– Ora ai está… há descontos para sócios do Benfica?
Prossigo eu em voz afinada de Piçarra.
– Hummmm????
Ventriloqua o Félix renascido.
Galvanizado pelas gingas rapidamente embutidas em qualquer taberna/santuário local, entro numa de desaforo inquisitório, como qualquer batedor manhoso do Guia Michelin.
– Qual é a vossa política em relação a putedo?
– Desculpe senhor, balbucia o estalajadeiro imberbe.
– E em relação a travestis negróides, ou orgias?
Avanço eu, sem tempo de cortar a respiração da resposta do inadvertido
– E festas de swing, e pornografia? É pay-tv soft, ou em canal aberto hard-core. E o mini-bar é só Sagres e água das pedras, ou há Moet Chandon e água benta.
Amendoins caramelizados ou tobleron?
Discorri todas as perguntas que o viajante faz a si mesmo e raramente tem coragem de colocar ao estalajadeiro presumido.
– Viva a ginga libertadora! Grito em plenos pulmões perante o ar estarrecido de Félix, e o sobrolho reprovador da estátua de D. Manuel que era pouco dado às vidas.
Valha-nos D. Dinis, o seu pinhal e o seu proverbial gosto por meretrizes, de preferência as cordeiras de Deus, que são lanzudas de tomar por trás.
– Fico então com a cama de dossel – informo eu – Mas fique já sabendo, que se me prouver a povoarei de putas, tantas, que farei parecer o pinhal de D. Dinis um deserto do Sahara.
– Sorriso amarelo, transacções de identidade bancária, e ala para o banho de imersão, o mini-bar e a inevitável matiné de punhetas.
Sigo para o jantar, servido por pinguins hirtos e solenes, como rabetas de sacristia.
Escutando George Michael tocado em flauta, e imerso em flatulências, consequências da encharcada, sigo para o bar, o paraíso dos ímpios.
Afago a laranja, e recosto-me no sofá com um Bushmills de traulitada.
Escuto as conversas, aparentemente, sem moralizar.
Dois casais de meia-idade, rodeados da prol sonolenta e saudosa da playstation, abarbatam-se ao calor da lareira, sem tempo nem ouvido para escutar o seu crepitar.
Um dos cavalheiros, bem instalado e fumegando o seu Monte Cristo de tamanho para pacóvios, profere uma homília sobre as suas viagens e essas aventuras pela Europa. Entre baforadas e auditório atento e acéfalo, tergivesa as maravilhas da Holanda, os canais, as túlipas, os maravilhosos verdes prados, as vaquinhas e esse nobre e tolerante espírito holandês.
Prossegue em monólogo de inter-rail para a Suiça, e Chamonix para aqui e ski para acolá, e as brancas neves, e mais a grandessíssima puta que o pariu e as suas aventuras merdosas, que me azedam o Bushmils e espantam o pianista que tecla que nem um açougueiro.
Já fui muitas vezes à Holanda e nunca vi nenhuma túlipa, nem tamancos, nem trancinhas, nem o Reijk Museum, nem o raio que o parta.
A Holanda é para quem sabe, não para quem pode.
É montra de desejos, é putedo mais internacional que a socialista, é o bom broche, clínico e limpinho, como quem lava dentes com elixir para o hálito.
É putas do Senegal para nos afundarmos no seu cú majestoso, é coffe-shops e droga com fartura.
Se em Vila Viçosa a viúva é negra e loura platinada, em Amsterdão a viúva é white widow.
Se este cabrão presunçoso já esteve na Holanda do broche e da erva, passou a vida a ver canais, e quanto a Xamonix, prefiro mil vezes o Xanax.
Espero que o Félix enrabe a sua esposa cândida na escada de serviço e ele ressone o sono justo dos cornudos. Afago a minha laranja, estupro de novo o mini-bar e guardo a punheta salvífica para outra encarnação.
Pousadas de Portugal, nunca mais, prefiro acampar