A felicidade conjugal afigurava-se uma impossibilidade cósmica. Das três biliões, cento e trinta e nove milhões, oitocentas e setenta e uma mil, quinhentas e sessenta e oito mulheres existentes no mundo sabia que uma e apenas uma me faria feliz. Pelo que, quando me apercebi da incrível coincidência de que ela, a eleita, morava no terceiro andar, não perdi tempo. Toquei à porta e disse-lhe: “Amo-te e quero envelhecer a teu lado.” Ela, ao princípio, achou tudo aquilo um bocado estranho. Os nossos pais eram amigos e não esperava tal coisa do vizinho do quinto. Mas perante a minha eficaz argumentação e perseverança lá disse “’tá bem, pode ser.”
Fiquei eufórico. A lindíssima Joana. A Joana banana vai para cama de pijama. A minha alma gémea. A única mulher do mundo com a qual poderia ser feliz tinha dito “’tá bem.” Corri escadas acima, tropeçando nos degraus, para dar a boa nova aos meus pais. Encontrei o meu pai, refastelado na sua poltrona, a beber uma Green. Entrepus-me entre ele, a televisão e a cerveja, e anunciei-lhe: “Encontrei-a! Encontrei-a! Encontrei a mulher da minha vida. Vou-me casar”. O meu pai, espantado, disse: “Parabéns, filho.” “Estava mesmo debaixo dos meus pés e eu não me tinha apercebido. É a Joana, a Joana do terceiro.” Nesse preciso momento, o meu pai engasgou-se e cuspiu num esguicho a cerveja, enquanto a sua face mudava de cor. Depois, ainda meio esverdeado, numa voz sussurrada, gaguejou com gravidade: “Tu não… tu não podes casar com a Joana. A Joana é tua irmã só que a tua mãe não sabe.”
Fiquei de rastos. Maldito PREC em que todos fornicavam com todos. Confundira os laços, a minha alma gémea afinal era uma alma irmã. Não me conformava com ideia de passar a olhá-la com outros olhos, deixar de apreciar o seu corpo, protegê-la de namorados mal intencionados e fazer coisas de irmãos, como brincar, andar à bulha, queixinhas aos pais. Maldito PREC, maldita gente.
Deambulei, macambúzio, chutando todo e qualquer objecto que se cruzava comigo na rua. Por mais que me esforçasse não me conseguia desapaixonar da Joana. Em desespero, cheguei mesmo a revoltar-me contra a lei ancestral que condena o incesto. A proibição de amarmos aqueles que mais naturalmente amamos. Quem teria inventado tamanho despropósito?
Regressei a casa, arrastando as pernas pelos degraus, confiando os braços no corrimão. Quando entrei, fora de horas, a minha mãe estava raladíssima e eu não consegui disfarçar o sofrimento. Ao princípio, tentei fingir. Mas mãe é mãe e a minha não se convenceu com a esquiva. Enfim contei-lhe. Respirei fundo e disse-lhe tudo, com o carinho e a culpa do mais cruel dos mensageiros. No entanto, para meu estupor, ela soltou uma gargalhada: “Que sejas feliz. O teu pai não é o teu pai só que o teu pai não sabe.”