Se o trabalho editorial da Polvo é sempre muito bom, as histórias de vingança justiceira de “Matiné” (de Magno e Marcelo Costa) servem sobretudo para mostrar que no Brasil também há obras derivativas com desenho meramente funcional e argumentos previsíveis influenciados pelo cinema (São Tarantino, et al.). Nada contra, mas há trabalhos equivalentes (mesmo superiores) (auto)publicados por autores nacionais, e “Matiné” nada acrescenta ao que quer que seja. Já com “Copacabana” (de Lobo e Odyr) a história é outra.
Passada na fronteira difusa entre o glamour e os “bas fonds” do Rio de Janeiro, “Copacabana” também lembra outras coisas (“Cidade de Deus”, “Tropa de elite”) mas transcende por completo eventuais referências pelo modo como encara os elementos narrativos. Tendo momentos de comentário político-social, isso nunca transparece de forma direta. Sendo uma história de mistério, romance, humor e ação, não se esquece de desenvolver o caráter das personagens, e não apenas aquilo que lhes acontece. Em essência “Copacabana” é uma excelente banda desenhada porque está permanentemente ancorada no quotidiano; também pelo excelente uso que faz da linguagem coloquial, ou “vulgar”, se preferirem.
A principal personagem é uma prostituta que se vê envolvida em esquemas perigosos, que o argumento trabalha, gerindo conflito e surpresa. Mas “Diana” é também uma trabalhadora competente, que procura fintar todas as formas de exploração que lhe surgem à frente (mais o fluxo menstrual) de modo a poder enviar dinheiro à mãe, com a qual mantem uma relação tensa. Apenas por transmitir à progenitora uma mentira (oficialmente trabalha como enfermeira)? Porque a relação filial é, também ela, uma relação de exploração? O argumento de Lobo não diz, mas deixa pistas suficientes para que o leitor possa reconstituir (um)a história não-contada da personagem. O mesmo é válido para o travesti (e antigo namorado de “Diana”), para o escritor de romances cor-de-rosa, para o agiota violento, para o contabilista chantageado, para o detetive corrupto, para o turista gringo. Ou nos jogos constantes de fascínio em torno de todos os tipos de desejo, com enfoque especial nos travestis. Quanto ao desenho de Odyr, o traço grosso e quase expressionista faz com que a princípio se confundam algumas figuras humanas. Mas também isso acaba por funcionar, no sentido em que sentimos estar a seguir algumas pessoas representativas da fauna noturna de Copacabana (entre hospício e zoo, como diz Lobo); poderiam eventualmente ser outras, com outras histórias para contar.
Pela capacidade de criar um universo realista (mesmo nas suas implausibilidades), que dá ao leitor a possibilidade de imaginar histórias adicionais muito para além do que conta, “Copacabana” é uma notável BD que vale a pena ser conhecida, independentemente da nacionalidade dos seus autores. E, no fundo, só isso importa.
Copacabana. Argumento de Lobo, desenhos de Odyr Bernardi. Polvo. 196 pp., 15 Euros.
Matiné. Argumento de Magno Costa, desenhos de Marcelo Costa. Polvo. 64 pp., 12 Euros.