Quando se mistura a realidade com a ficção há sempre pormenores que não estão corretos, mas na sua globalidade gostei do filme e retrata bem a figura de Salgueiro Maia. Os mitos criam-se. Ele teve a sorte de estar na hora certa estar no lugar certo e a capacidade de se portar bem. Depois teve o azar de morrer novo, de maneira que é natural criar-se o mito. Mas, sem qualquer dúvida, trata de uma das figuras principais do 25 de Abril.
Durante algum tempo outros que tiveram ação importante na revolução não gostavam de ver isto assim. Às tantas até dava a impressão de terem sido só a Escola Prática de Cavalaria (EPC) e o Salgueiro Maia a fazerem o 25 de Abril. A verdade é que quando chegaram a Lisboa, às 5:30, já os objetivos principais da ação militar estavam ocupados. O Maia depois acaba por desempenhar um papel fundamental, com o extra de proceder à rendição do ditador.
Nas primeiras reuniões do Movimento dos Capitães que fizemos, em Alcáçovas, o Maia não estava cá, mas na Guiné. Conheci-o logo a seguir numa reunião em casa do capitão Mendonça Frazão, em Oeiras, por volta de 15 de setembro de 1973. A partir daí estabelecemos uma ligação profunda. Combinámos reuniões, fizemos a conspiração até ao 25 de Abril e depois mantivemos uma relação de grande amizade.
Era um homem determinado, corajoso, antissistema. Respeitava a formalidade e a hierarquia. Tinha um sentido crítico e irónico muito forte, o que o levou a tomar algumas conhecidas atitudes. Quando criaram uma pensão para quem fez atos relevantes na Guerra Colonial, ele considerou que o 25 de Abril tinha essa importância e fez o requerimento com a certeza que o iriam chumbar. A intenção era provocar o poder e obrigá-los a dizer que não. De tal forma que o ex Presidente Cavaco Silva ficou conhecido como o homem que recusou a pensão ao Salgueiro Maia e deu-a a dois Pides.
Quando faleceu deixou escrito que queria que tocassem a “Grândola” no funeral. Ele já me tinha dito: “Vai haver muita gente que quer ir ao meu funeral para ficar na fotografia e eu vou obrigá-los a cantar ou, no mínimo, a ouvir, a Grândola”.
Muito apegado à família, e um grande amigo, teve competência para ficar na história, porque se portou extraordinariamente bem no 25 de Abril e resultou extraordinariamente bem a sua maneira de não reagir de forma intempestiva.
O 25 de Abril é um caso único na história em que os militares derrubaram uma ditadura e transmitiram praticamente de imediato o poder à sociedade civil democraticamente organizada. E Salgueiro Maia deu para isso um contributo essencial.